A Plataforma Água Sustentável organizou no passado dia 15 uma sessão de esclarecimento à comunidade sobre a projectada Estação de Dessalinização de Água do Mar, em Albufeira, no Algarve, que está em consulta pública até dia 19 de Dezembro, um mega projecto de 45 milhões de euros.
No fim de novembro, a TSF noticiava que “a escassez de água no Algarve é a pior de sempre”.
É possivel ver a sessão na página de Facebook da PAS:
A PAS tem vindo a demonstrar a sua oposição ao projecto e preparou um modelo de participação na consulta para que a comunidade possa expressar a sua oposição.
O projecto é promovido pelas águas do Algarve, com a justificação de “criar uma alternativa capaz de garantir a resiliência do abastecimento público à população da região, mesmo em períodos de seca prolongada.”
A água da dessalinizadora seria para consumo humano. Além de não cobrir as necessidades da população, pode funcionar como justificativa para continuar a gastar água em campos de golfe e na agricultura intensiva.
A PAS sublinha que os impactos negativos estão a ser desvalorizados com “destaque para o elevado consumo de combustíveis e os problemas relativos à deposição / dispersão no mar dos efluentes salinos e águas sujas. A qualidade da água marinha vai diminuir, impactando a vida marinha e as praias algarvias e assim, indiretamente, as pescas e o turismo.”
Além disso, os consumos de água “selvagens” no Algarve prosseguem, seja nos campos de golfe, no consumo intensivo de Abacate, ou nos novos furos que surgem todos os dias. Em reposta ao consumo industrial e às consequências que este traz no contexto das chamadas “alterações climáticas” a câmara municipal, decide iniciar a dessalinização de água, em vez de cuidar e moderar o consumo da água potável que já existe, com a desculpa de dar uma resposta à seca.
Os participantes na sessão apresentaram a sua oposição ao projecto, dizendo que é um desastre ambiental, e argumentando desde a falta de respeito pelas leis ambientais do próprio governo, às consequências do projecto para a fauna e flora, e a falsa solução que o projecto apresenta à seca e ao aquecimento global.
O estudo de impacto ambiental está disponível aqui.
Consulta pública (podes participar até dia 19):
https://participa.pt/pt/consulta/estacao-de-dessalinizacao-de-agua-do-mar-do-algarve~
- Não assegura o acesso universal e equitativo à água potável, compromisso assumido por Portugal relativo aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, na medida em que será entregue a empresa público-privada, que será compensada sempre que não tenha necessidade de tratar e vender água, o que, aliado aos preços elevados da própria tecnologia e necessidade de manutenção, fará disparar o preço para o consumidor doméstico desse bem essencial à vida que é a água.
- A eficácia deste projeto é reduzida, pois o grande consumidor de água, no Algarve e no país, é agricultura (60% no Algarve) e a água da dessalinização destina-se ao consumo doméstico, sendo que, mesmo nesse caso, a água da dessalinizadora apenas responderá às necessidades anuais de cerca de 100.000 consumidores.
- Os impactes negativos deste projeto estão desvalorizados. Há estudos científicos e técnicos relativos aos impactos ambientais das centrais de dessalinização, com destaque para o elevado consumo de combustíveis e os problemas relativos à deposição / dispersão no mar dos efluentes salinos e águas sujas. A qualidade da água marinha vai diminuir, impactando a vida marinha e as praias algarvias e assim, indiretamente, as pescas e o turismo.
- A concretização do projecto não está alinhado com as diretrizes e os planos nacionais, que, aos vários níveis, visam melhorar a obtenção e gestão do recurso água, pelo que não resolvem o problema da exiguidade dos recursos hídricos regionais – é incoerente com o Plano Nacional da Água (PNA) e Questões Significativas da Gestão da Água (QSiGA); bem como com a Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Cimáticas (ENAAC), pelo que não é útil para uma eficaz transição climática – foi uma hipótese estudada no âmbito do Plano Intermunicipal de Adaptação às Alterações Climáticas (PIAAC) Algarve, que a admite como eventualmente a analisar no longo prazo.
- A construção da Estação de Dessalinização é contraditória com Diretrizes da União Europeia, porque não promove a proteção das zonas costeiras e do mar do Algarve, e não respeita o principio base de «não prejudicar significativamente (DNSH)» do Regulamento (EU) dos financiamentos públicos e privados, nomeadamente em termos de proteção dos recursos marinhos, da biodiversidade e dos ecossistemas, não considerando a Directiva Quadro da Estratégia Marinha (DQEM), nem a da Directiva das águas balneares .
- E no que respeita à Avaliação Nacional de Risco o Algarve está identificado nas Cartas de Susceptibilidade: Destruição de Praias e Sistemas Dunares, Inundações e Galgamentos Costeiros como sendo uma região de risco máximo elevado pelo que a instalação de centrais de dessalinização representam um investimento perigoso.
Em comunicado de Julho passado, a PAS dizia o seguinte:
Qual é a estratégia oficial?
Qual é a resposta esperada das centrais de dessalinização, às necessidades presentes e futuras?
Segundo informação do jornal Público, a construção duma dessalinizadora custará 45 milhões de euros, numa primeira fase, e não produzirá mais do que 8 milhões de metros cúbicos, ou seja, menos de 10% dos consumos urbanos da região (80,3 milhões). Posteriormente, o Governo veio declarar que vai triplicar essa capacidade o que, no entanto, continua a demonstrar um custo elevado para obter água por esse meio.
Segundo um estudo da Gulbenkian a agricultura é o maior consumidor de água no país e no Algarve, segundo dados do PREHA, o setor da agricultura gasta anualmente ca. 135 milhões de metros cúbicos, representando 57% do volume total de água contabilizada no Algarve (o setor urbano consome 34% e o setor do golfe 6%; perguntamos – quantas centrais de dessalinização terão que ser construídas para abastecer a agricultura?
Além disso, a dessalinização tem acoplada uma discriminação social – responsáveis oficiais têm sistematicamente reafirmado que a água das barragens, custeada por dinheiros públicos, se destina ao uso agrícola privado, e será comercializada a um preço mais baixo do que a obtida por dessalinização, destinada ao consumo público, mas proveniente de uma empresa privada ou em parceria público-privada. Como serão, então, garantidos os direitos ao acesso a esse recurso fundamental à vida?
O Estado também tem sugerido a construção de novas barragens e a solução “Captação de Água no Guadiana”; contudo, estas propostas entram em contradição com a Diretiva Quadro da Água, Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas (ENAAC), Plano Nacional da Água (PNA) e Avaliação Nacional de Risco, porque têm fortes impactos, entre eles a diminuição do caudal dos rios, com impactos no local de captação e nos ecossistemas a jusante. Vejamos o caso do Guadiana – a parte jusante está integrada na Rede Natura 2000 e é previsível um aumento de salinidade no local da captação, em resultado do decréscimo de pluviosidade que se regista no sul do país.
Além disso, o rio Guadiana é um rio transfronteiriço, pelo que os impactos atingirão Portugal e Espanha, pelo que terá que ser também discutido com o Estado Membro vizinho e a população local afetada.
Para aumentar o contrassenso, o Estudo “Regadio 2030” propôs que se alargue a área de regadio no Algarve e Alentejo, algo de que discordamos no parecer que apresentamos na consulta pública que terminou a 14 de janeiro de 2022. Como se explica este alargamento, perante a escassez de água? Qual é a estratégia a curto, médio e longo prazo?
Assim, a PAS considera que a diversificação das origens de água deverá ser feita através do recurso às águas fluviais e residuais tratadas; discorda da construção da central de dessalinização, da “Captação de Água no Guadiana”, ou da construção de barragens, porque, além dos impactes ambientais por demais conhecidos, o aumento da temperatura/evaporação e diminuição da pluviosidade tornará o volume de água a armazenar cada vez menor.
Neste enquadramento temos considerado prioritárias e estruturantes as seguintes medidas:
- Conservação do solo para otimizar a retenção de água pluviais, combater a erosão, promover o sequestro de carbono e garantir a salvaguarda das áreas integradas na Rede Ecológica Nacional (REN) relevantes para a sustentabilidade do ciclo hidrológico terrestre.
- Reflorestação com espécies autóctones, diversificadas e resilientes, recorrendo às práticas de gestão adequadas, sobretudo na serra e nas bacias hidrográficas.
- Restauro e reabilitação de linhas de água, tendo em conta os desvios feitos, os açudes obsoletos e efeitos dos incêndios.
- Aproveitamento de água de escoamento superficial, executando retenções de água para abastecimento de pequenos regadios a jusante, manutenção de ecossistemas e hidratação da paisagem envolvente.
- Controle e gestão de cheias, particularmente nas zonas urbanas do litoral, melhorando os sistemas de drenagem e aproveitando esses recursos hídricos e/ou encaminhamento para recarga artificial de aquíferos.
- Captação e armazenamento de águas pluviais nos edifícios, devendo as entidades oficiais dar o exemplo (açoteias/cisternas são ainda tradição no Algarve). Bem como a inclusão de sistemas prediais de reutilização de águas cinzentas, passando a estar previstos nas normas de construção dos mesmos.
- Utilização de águas residuais tratadas (ApR) em áreas próximas das ETAR: em campos de golfe (aprofundando as boas práticas de iniciativas em curso); lavagens em meio urbano; rega de espaços verdes; em algumas culturas agrícolas e outros usos compatíveis com a qualidade dessas águas após tratamento.
- Melhoramento do ciclo urbano da água e redução dos 30% de perdas nas redes, urbanas e de regantes: identificação e minimização das perdas de água nas redes de abastecimento, já que, em Portugal, o volume das perdas reais na rede (em baixa) é de 128 l/(ramal.dia), segundo o relatório da ERSAR para o ano de 2022. Urge também investir na reabilitação das redes coletoras de águas residuais urbanas e pluviais, uma vez que estas redes, na maior parte das cidades do Algarve, têm sérios problemas de funcionamento. Essas falhas conduzirão, nomeadamente, à contaminação das zonas húmidas nas suas proximidades e, no litoral, à entrada de água salgada, o que dificultará a utilização dessas águas residuais, face ao custo elevado do seu tratamento (dessalinização).
- Manutenção de áreas de proteção dos aquíferos, recursos hídricos subterrâneos, para que permitam uma recarga otimizada desses aquíferos. A proibição de despedregas e da construção/impermeabilização dos solos das áreas de proteção são iniciativas urgentes.
- Licenciamento e fiscalização efetiva de captações (subterrâneas e superficiais), seja para a agricultura ou seja para outras utilizações, com a obrigatoriedade de reportar as quantidades dos usos de agua e capacitando as entidades competentes, inclusive com recursos humanos e melhorando os meios de fiscalização. Segundo o estudo da Gulbenkian anteriormente referido, 71% dos agricultores desconhece a água que gasta e 61% não paga o consumo.
- Adequação das culturas agrícolas aos recursos hídricos existentes e às características climáticas de cada zona, prevenindo a escassez futura. Políticas eficazes a regulamentar a proliferação de monoculturas, destinadas à exportação, e a aumentar a produção visando o mercado nacional.
- Modificação do tipo de espaços verdes, públicos e privados. Não faz sentido continuar a usar água potável, ou mesmo de outra origem de menor qualidade (águas subterrâneas e águas residuais tratadas), para manter espaços verdes que não se coadunam com as nossas características climáticas e com a escassez de água; as autarquias e empresas municipais devem dar o exemplo, substituindo os relvados por espécies mais resilientes, como é o caso do prado de sequeiro, e plantando árvores/arbustos da flora local menos exigentes em água. Fomentar microrewilding urbano: pensar cada superfície como potencial hospedeiro de vegetação e formar corredores de habitat (colocar vegetação nos telhados, em paredes, fileiras de jardins).
- A aprovação da expansão do tecido urbano dedicado à exploração sazonal e/ou turística, bem como qualquer aumento urbanístico só poderá ocorrer depois de verificadas as condições de sustentabilidade relativas à utilização e acesso a bens e recursos vitais, quer no litoral (sendo que a orla costeira é das regiões mais vulneráveis às alterações), quer no interior, assim como restringir rigorosamente a construção de novas piscinas, sob o prisma dos seus impactos no recurso hídrico.
- Informação rigorosa, acessível e atempada aos habitantes e aos turistas, sobre a monotorização e o estado dos recursos hídricos, assim como a gestão e o uso da água no Algarve e no país, garantindo a sensibilização sobre o estado dos recursos hídricos do Algarve e do país. como “Informação rigoroso, acessível e atempadamente sobre a monitorização e o estado dos recursos, assim como a gestão e o uso da água.
- Por último, a questão da gestão da água, que necessita de uma urgente reflexão, dum debate que seja inclusivo e integrador de toda a sociedade civil.
A resolução da situação actual não é simples, pois serão necessárias medidas de curto prazo de cariz urgente e medidas de longo prazo, mas não será encontrada com grandes obras de construção civil que aumentam a pegada ecológica agravando, consequentemente, a consumo de água, a desflorestação e a poluição do mar, o que, por sua vez, desequilibra ainda mais o clima.
O próprio estudo de impacto ambiental apresenta os seguintes impactos negativos:
– Impactes na fase de construção:
− sobre a geologia e geomorfologia associados à instalação dos circuitos em terra
e no mar, em ambas as alternativas;
− sobre a paisagem associados aos trabalhos de construção de todas as
infraestruturas, em ambas as alternativas;
− sobre a socioeconomia e sobre o ambiente sonoro associados à perturbação
durante a instalação da EE, EDAM e UPAC;
– Impactes na fase de exploração:
− sobre as alterações climáticas associadas ao funcionamento da EDAM;
− sobre a gestão de resíduos e efluentes associadas à descarga de salmoura.
EM QUE CONSISTE O PROJETO?
Do projeto fazem parte as seguintes infraestruturas (ver figura seguinte e para maior detalhe (DESENHO 1):
– Circuito de captação e elevação de água do mar (com uma extensão de 1 450 m no mar, 550 m em túnel e 4 300 m em terra na Alternativa 1, ou 4 900 m na Alternativa 2);
– Estação Elevatória (EE) (ocupando uma área de cerca de 0,2 ha);
– Estação de Dessalinização de Água do Mar (EDAM) (ocupando uma área de cerca de 3,5 ha);
– Circuito de adução de água tratada (com uma extensão de 260 m);
– Circuito de descarga de salmoura (com uma extensão de 2 800 m em terra, 865 m em túnel e 1 315 m no mar na Alternativa 1, ou 2 635 m em terra, 865 m em túnel, e 1 300 m no mar na Alternativa 2);
– Unidade de Produção para Autoconsumo (UPAC) (ocupando uma área de cerca de 4,5 ha).
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