Cara pessoa que vive em Portugal,
Escrevemos esta carta porque nos preocupa a escalada do discurso de ódio, da desinformação e da institucionalização de ambos a que vamos assistindo em Portugal. O partido político de extrema-direita Chega convocou uma manifestação “contra a imigração descontrolada e insegurança nas ruas”, para 23 de novembro, no Porto. Não podemos deixar que o fascismo descontrolado torne as nossas ruas e as nossas casas, de facto, inseguras.
Quando, no dia 2 de abril, escrevemos uma carta aberta, assinada por mais de 4000 pessoas, às instituições e autoridades (que deviam ser) competentes, denunciámos o assassinato de Ademir Araújo Moreno, na sequência de uma agressão racista e xenófoba na ilha do Faial e reivindicámos a proibição da manifestação “menos imigração, mais habitação” convocada pela milícia organizada de extrema-direita, o grupo 1143. Nem a PSP nem o presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira, ouviram as reivindicações de tantas pessoas, e, no dia 6 de abril, marcharam algumas dezenas de fascistas livremente pela cidade, escoltados pela PSP.
No mesmo dia, contra a extrema-direita e as suas mentiras, marcharam mais de 3000 pessoas. A manifestação “Contra o fascismo, SOMOS MAIS” demonstrou que a cidade do Porto não se deixará vergar. Mas sabemos que, como tem acontecido em tantos outros países, a extrema-direita e quem a financia estão dispostos a ir até às últimas consequências para defender os seus privilégios.
Sabemos que não podemos contar com as instituições, mas contamos contigo e com a nossa força coletiva. Por isso, desta vez, é a ti, que vives em Portugal, que dirigimos esta carta. Hoje denunciamos outro assassinato: o de Odair Moniz, no dia 21 de outubro de 2024, às mãos de um agente da PSP de Lisboa. Tal como Ademir, Odair era um homem negro e cabo-verdiano, mais uma das vítimas do projeto político racista e xenófobo produzido pelo Estado português, do qual o grupo 1143 e o partido Chega são apologistas.
No contexto da marcação de mais uma manifestação com motivações racistas e xenófobas para o dia 23 de novembro de 2024, no Porto, é necessário que se cumpra o artigo 13.º da Constituição, o princípio da igualdade, e sejam acionados os mecanismos processuais para que se aplique o artigo 240.º do Código Penal, relativo à discriminação e incitamento ao ódio e à violência, uma vez que esta manifestação se qualifica entre “atividades de propaganda organizada que incitam à discriminação, ao ódio ou à violência contra pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional, ascendência, religião” e se constitui, portanto, como incitamento ao ódio e à violência e não como exercício da liberdade de expressão. Isto é particularmente evidenciado pelos dados relativos ao aumento exponencial dos casos de crimes de ódio.
O assassinato de Ademir Araújo Moreno, no início do ano, no Faial, os ataques contra mais de uma dezena de imigrantes na madrugada do 3 de maio, o ataque com facadas a mais dois imigrantes no 12 de setembro no Porto, a injusta condenação de Cláudia Simões, e o mais recente assassinato brutal perpetrado pela PSP contra Odair Moniz são apenas alguns dos casos que aconteceram no ano de 2024.
Sabemos que os relatos que nos chegam ficam muito aquém do aumento exponencial dos crimes de ódio contra as comunidades imigrantes. No ano de 2023, foram numerosas as reportagens que já alertavam sobre essa realidade invisível. Os ataques aos imigrantes de Olhão – 15 agredidos; o incêndio de um prédio na Mouraria – 2 mortos e 14 feridos; ou os 33 crimes relacionados com maus-tratos a imigrantes em Odemira. Segundo o Ministério Público, um “ódio claramente dirigido às nacionalidades das vítimas e apenas por tal facto e por saberem que, por tal circunstância, eram alvos fáceis”. No dia 5 de novembro de 2023, Gurpreet Singh, de 25 anos, foi o alvo fácil, vítima de um ato de violência extrema em Setúbal, assassinado com um tiro de caçadeira no peito.
Somam-se também as reportagens sobre as redes criminosas que têm vindo a ser desmanteladas: tráfico de pessoas, auxílio à imigração ilegal, angariação de mão-de-obra ilegal, extorsão, branqueamento de capitais, fraude fiscal, ofensas à integridade física, posse de arma de fogo e falsificação de documentos, ligadas ao aliciamento de imigrantes para trabalhar em explorações agrícolas, nomeadamente da zona do Alentejo.
O fator comum é que os crimes que, de facto, têm aumentado são aqueles cujas vítimas, não os perpetrantes, são imigrantes. É justamente a política de ódio defendida pelo Chega, em cumplicidade com o Estado português, que favorece esses crimes.
Esta é mais uma carta que denuncia uma política de discriminação, exploração e morte perpetrada pelo Estado e as instituições contra a população, particularmente as pessoas imigrantes e as pessoas racializadas. Queremos deixar claro que atos e organizações políticas e partidárias racistas e xenófobas, como o Chega, são inaceitáveis.
No ano em que o 25 de Abril comemora 50 anos, num país que sempre teve filhos e netos emigrantes, é preocupante o crescimento de grupos racistas e xenófobos, que estigmatizam quem procura melhores condições de vida. A liberdade de expressão não pode ser capturada pelo ódio, pela mentira e pelo afastamento do outro, mas deve ser utilizada para fortalecer todos os pilares de uma comunidade composta por diversas culturas.
É nesse sentido que te convidamos, que te desafiamos, que te instamos a estares presente numa manifestação contra o ódio e contra o fascismo, pela segurança de todas as pessoas, que acontecerá também no dia 23 de novembro de 2024, no Porto – “Contra o fascismo, SOMOS MAIS!”.
Exigimos que se reponha a Manifestação de Interesse para que todas as pessoas tenham direito à regularização, ninguém é ilegal!
Exigimos o fim imediato da classificação de Zonas Urbanas Sensíveis (ZUS), que servem para justificar o policiamento racista e xenófobo!
Exigimos que o racismo seja criminalizado, e não sirva apenas como agravante noutros crimes ou como contra ordenação.
Exigimos um país melhor, onde a igualdade, a liberdade e a justiça não sejam privilégios só de alguns, mas realidades vividas por todas as pessoas. Exigimos que finalmente se cumpra Abril.
Contamos contigo,
junta-te a manifestação “contra o fascismo, SOMOS MAIS!”,
Dia 23 de novembro, às 15h, no Campo 24 de Agosto.
Organização:
Academia Pela Palestina Braga
Braga Fora do Armário
Chão das Lutas – Braga
CIVITAS Braga
Coletivo de Estudantes pela Palestina UMinho
Coletivo pela Libertação da Palestina
Comité pela Defesa da Palestina
Comité Popular de Mulheres em Portugal
Espaço Escura Ativa-Saúde Mental Anti-Autoritária
Estudantes do Porto em Defesa da Palestina (EPDP)
Grupo de Ação Revolucionária Antifascista
Guimarães LGBTQIA+
Guimarães pela Liberdade
Guimarães pela Palestina
Habitação Hoje
Headbangers Antifascistas
Human Before Borders
Kilombo-Plataforma de Intervenção Anti-Racista
Movimento SOS Racismo
Movimento Virgínia Moura
Núcleo Antifascista de Barcelos
Núcleo Antifascista de Guimarães
Núcleo Antifascista do Porto
Plataforma Artigo 65.º
Rede 8M
Saber Compreender
UMAR Braga
Unidade Popular pelo Socialismo
Trabalhadores Unidos
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