Queremos Pão e Cravos! Em 2025 deixámos de exigir a quem nunca nos ouviu. Este é o nosso Manifesto Nacional, confrontando uma realidade cada vez mais distópica, escrito num tempo em que urge estarmos cada vez mais, unidas e “diversas mas não dispersas”, nas palavras de Marielle Franco 💜
Viva a Sororidade!
Viva o Feminismo Interseccional!
Viva o 8 de Março!
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Há 50 anos, as mulheres tomaram as ruas em Lisboa numa manifestação histórica do Movimento de Libertação das Mulheres. Se no ano passado celebrámos o 25 de Abril, este ano recordamos o momento em que Abril se tornou de todas. Hoje, voltamos a ocupar as ruas, porque a nossa luta continua.
O mote deste ano, “Pão e Cravos”, liga-nos a essa história. Inspirado na revolta operária que clamava por “pão e rosas”, nascida das lutas
de mulheres trabalhadoras que exigiam não só condições mínimas para sobreviver — o pão —, mas também dignidade, beleza e alegria — as rosas. Hoje, afirmamos que, além de tudo isso, queremos também liberdade, autodeterminação, justiça. Os nossos cravos são os de Abril, são os da revolução que ainda falta cumprir.
Este é também o primeiro 8 de Março sem Maria Teresa Horta, a última das Três Marias e fundadora do Movimento de Libertação das Mulheres. Com Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa, rompeu o silêncio imposto pelo fascismo e abriu caminho para a luta feminista em Portugal. Tal como elas, muitas mulheres antes de nós enfrentaram a censura, a repressão e a violência para que hoje pudéssemos estar aqui. Mas a liberdade pela qual lutaram não está garantida. Os nossos direitos continuam a ser ameaçados, as nossas vozes tentam ser caladas, os nossos corpos continuam a ser controlados, assassinados,violados!
A nossa luta é verdadeiramente de todas as mulheres. É das mulheres trabalhadoras, incluindo as trabalhadoras do sexo, das mulheres racializadas, das mulheres trans, das mulheres com diversidade funcional ou neurodiversidade, das mulheres lésbicas, bissexuais e não-binárias, das mulheres vítimas de violência machista, das mulheres vítimas de assédio, no trabalho, em casa, na academia, das mulheres vítimas de violência obstétrica, das mulheres do Barroso, da Palestina, do Congo e de todos os lugares onde o imperialismo e o extrativismo atacam os direitos das pessoas.
É por elas e por todas nós que hoje dizemos:
QUEREMOS PÃO E CRAVOS!
Todas sabemos que a violência machista nos persegue aonde quer que vamos. Somos todas as mulheres que sofrem assédio e violência no local de trabalho e na escola, no namoro e nas relações íntimas. Sabemos que a violência doméstica é o crime mais reportado em Portugal, que já levou a mais de uma dezena de femicídios só nos dois primeiros meses do ano. Sabemos que Portugal é dos países com mais assédio na academia e não há processos por difamação nem tentativas de branqueamento, como no caso de Boaventura, que nos calem. As paredes contra as quais nos encostam no Benformoso são as mesmas que vos denunciam em Coimbra, onde se lê “TODAS SABEMOS!”
Mas a violência não se manifesta apenas no abuso físico. Todas sabemos que a violência económica e social do neoliberalismo também nos empurra para a miséria, explorando os nossos corpos e as nossas mentes, no trabalho e em casa. Todas sabemos que somos nós, as mulheres, que representamos a maior parte dos vínculos laborais precários e a tempo parcial e que somos forçadas à dupla ou tripla jornada de trabalho, sem as quais o próprio capitalismo colapsaria; ao mesmo tempo que negam, a muitas de nós, até a própria condição de trabalhadoras. Todas sabemos que todas somos exploradas neste sistema capitalista, todas sabemos que o trabalho doméstico também é trabalho, todas sabemos que os cuidados
informais também são trabalho, todas sabemos que o trabalho sexual também é trabalho. Já ser senhorio, não é!
E mesmo nas situações mais invisibilizadas, entre as pessoas em situação de sem-abrigo e/ou pessoas utilizadoras de substâncias ilícitas, não estamos livres de violência machista, patriarcal e colonial. Somos também as mulheres com diversidade funcional e neurodiversidade que, vivendo numa sociedade profundamente capacitista, somos discriminadas em todos os contextos, aumentando a probabilidade de sofrer violências, desde a falta de acessibilidades à ausência de autodeterminação dos corpos. Os valores tradicionais heteronormativos da nossa sociedade continuam a perseguir-nos e a hostilizar todas as pessoas não-binárias, pessoas trans, bissexuais e lésbicas, discriminando a diversidade de identidades de género e de orientações sexuais. Ainda há uma semana, a direita juntou-se para nos roubar o direito a ser quem somos nas escolas.
Somos as mulheres a quem são negados apoios sociais, mas também aquelas a quem antes negaram o acesso ao aborto, que urge garantir em todos os lugares, independentemente das objecções de consciência, e até às 12 semanas; e somos também aquelas que antes foram privadas de uma educação sexual íntegra. Somos as mulheres maltratadas na gravidez, que encontram os profissionais de saúde do SNS esgotados e as portas das maternidades e das urgências obstétricas fechadas. Somos as mães dos bairros que foram despejadas ainda grávidas, para depois nos retirarem as crianças porque o Estado não foi capaz de nos garantir o direito à habitação consagrado na Constituição. Nos lugares de onde fomos expulsas, constroem-se casas para ficarem vazias, vendidas a quem queira pagar pela
nacionalidade.
Este é um culminar da violência colonial que nunca foi interrompida, apenas mudou de forma. Desde a chegada das naus portuguesas aos territórios colonizados, até ao momento em que Portugal não foi capaz de receber as comunidades que colonizou e que justamente reivindicam reparações históricas. Também é colonialista o genocídio sionista na Palestina, que dura há mais de 75 anos, e que, nesta fase mais recente, é o mais transmitido de sempre. Não somos indiferentes à violência a que são sujeitas as mulheres vítimas do terrorismo imperialista, na Palestina como no Congo, nem ao sofrimento das mulheres afegãs, sujeitas ao regime Talibã. A nossa luta é
internacional, e, por isso, somos todas as mulheres, em todos os lugares!
Todas sabemos que um país onde se insiste em discutir se existe ou não racismo é necessariamente um país racista. Esse racismo é visível na exclusão das pessoas imigrantes do Serviço Nacional de Saúde, na proibição dos profissionais de saúde de cumprirem o seu próprio juramento. É visível quando uma mulher negra é espancada por se ter esquecido do passe da filha. É visível quando as comunidades ciganas são sistematicamente usadas como bode expiatório pela extrema-direita. É visível quando se atacam imigrantes e os encostam à parede baseados em sentimentos habilmente construídos pelas vontades fascistas e neoliberais. Todas sabemos que, nesse momento, foi o 25 de Abril que encostaram à parede!
Todas sabemos que quando a polícia matou um homem negro, foi a bala da polícia e não a mão da resistência, quem pôs o autocarro a arder. Urge recolher os dados etnico-raciais e criminalizar o racismo, como os movimentos anti-racistas reivindicam há anos. Somos, por isso, todas as
mulheres racializadas, somos todas Cláudia Simões! Todas sabemos que são as mulheres quem mais sofre com a crise climática, particularmente as do Sul Global, por estarem menos abrangidas por redes de protecção social e terem tradicionalmente trabalhos mais associados aos cuidados. Todas sabemos que são também as mulheres quem, apesar de todos os constrangimentos, lidera a luta contra o colapso ambiental, em particular as mulheres indígenas, as companheiras zapatistas do México, as mulheres curdas de países do Médio Oriente e as mulheres rurais de todo o mundo.
E esta luta das mulheres pelo território, pelos recursos e pela justiça climática também acontece aqui, no Barroso, onde nos querem roubar a terra em nome do lucro. O lítio que querem roubar ao Barroso é o mesmo que o etno-estado de Israel fez sobreaquecer e explodir no Líbano, matando
centenas de inocentes, e que não hesitarão em fazer explodir amanhã nos nossos bolsos. O que está a acontecer no Barroso põe em causa as conquistas de Abril, como a utilização dos baldios. É fundamental o
fim do Plano de Fomento Mineiro que o Costa criou e o Montenegro acelerou. Dizemos sim às manas, não às minas!
Estão a encostar o 25 de Abril à parede!
Vemos com preocupação a ascensão do fascismo, dos discursos de ódio e da violência motivada pelo ódio, um pouco por todo o mundo. Todas sabemos que aqueles que assassinam homens negros no Bairro Alto são os mesmos que marcham contra os imigrantes, acusando-os de violência, e os encostam à parede. São os mesmos que insultam mulheres com diversidade funcional na Assembleia da República e que apelam à violação de todas nós. São os mesmos que os bilionários que, entre saudações nazis, controlam os meios de comunicação nacionais e internacionais. São os mesmos que nos matam na Palestina e nos calam no Afeganistão. São os mesmos que participam em grupos com milhares de homens, onde se fala abertamente de violação e se partilham imagens íntimas. São os mesmos que violam o corpo inconsciente de Gisèle Pelicot, são os mesmos que interrompem apresentações de livros fingindo que querem proteger as crianças. São os mesmos que celebram o orgulho hetero e glorificam o passado, dos horrores dos descobrimentos aos do Estado Novo. Todas sabemos que esses são os mesmos que puseram o 25 de Abril na mala e a roubaram no aeroporto!
NÃO PASSARÃO!
NÃO NOS CALAREMOS!
Reconhecemos a violência de que somos alvo e estamos prontas para a enfrentar de todas as formas que sejam necessárias. Não hesitaremos em continuar a enfrentar, nas redes, nas ruas e nos tribunais, como fizeram duas das nossas manas, os fascistas que apelam à violação colectiva de todas nós. Chegou a hora de um novo clamor de dignidade e liberdade. Hoje dizemos: QUEREMOS PÃO E CRAVOS!
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