Exmªs srªs/Exmºs srs.
Ministra da Ciência, da Tecnologia e do Ensino Superior,
Reitoras e Reitores de Universidades,
Directores e Directoras de Faculdades e Institutos,
junto enviamos uma carta assinada por 350 pessoas das mais diversas origens e profissões, manifestando o seu desagrado pelo modo como se tem normalizado a presença de forças policiais dentro de faculdades e universidades. O texto da carta é claro, pelo que não acrescentaremos nada mais. Gostaríamos que o esforço e a vontade de tomar a palavra de todas estas pessoas não fosse em vão e pudesse constituir um ponto de reflexão na vossa missão enquanto responsáveis pelo Ensino Superior e pela direcção e gestão de instituições de Ensino Superior.
As Universidades são espaços de discussão, liberdade e reinvenção, ou não são Universidades. Se correr tudo bem, são também espaços de conflito, onde é preciso debater, pensar, propor, tomar a palavra, agir, e relacionam-se com o mundo na exacta medida destas acções. Nos últimos dias, algumas Faculdades portuguesas foram ocupadas por estudantes que lutam contra a crise climática, um movimento que é mundial e que tem vindo a crescer à medida que se avolumam os dados científicos sobre a nossa probabilidade de caminharmos para um planeta que, nas próximas décadas, pode ver extensas áreas tornarem-se inabitáveis. São estas e estes estudantes que vão estar cá, nesse mundo, e isto não é um detalhe para quem tem 20 anos.
Várias direcções de Faculdades têm respondido a este movimento chamando a polícia para retirar os estudantes das suas instalações e detê-los, de modo que as respectivas instituições retomem a normalidade (como se “normalidade” fosse uma palavra aplicável a um mundo onde 22,3 milhões de pessoas foram obrigadas a abandonar as suas casas em reAs Universidades são espaços de discussão, liberdade e reinvenção, ou não são Universidades. Se correr tudo bem, são também espaços de conflito, onde é preciso debater, pensar, propor, tomar a palavra, agir, e relacionam-se com o mundo na exacta medida destas acções. Nos últimos dias, algumas Faculdades portuguesas foram ocupadas por estudantes que lutam contra a crise climática, um movimento que é mundial e que tem vindo a crescer à medida que se avolumam os dados científicos sobre a nossa probabilidade de caminharmos para um planeta que, nas próximas décadas, pode ver extensas áreas tornarem-se inabitáveis. São estas e estes estudantes que vão estar cá, nesse mundo, e isto não é um detalhe para quem tem 20 anos.sposta a desastres associados ao clima, e isto só em 2022, de acordo com o relatório do Internal Displacement Monitoring Center). Aconteceu na FCSH – Universidade Nova de Lisboa, no ISCTE, na Faculdade de Belas Artes de Lisboa (onde a polícia chegou a ser chamada, tendo a direcção entretanto recuado) e na Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa. Nesta última, a polícia interrompeu uma palestra sobre ciência climática e deteve as pessoas que falavam e uma que assistia, lembrando tempos em que tomar a palavra em espaço público era crime, a não ser que fosse para louvar o senhor presidente do Conselho…
Chamar a polícia para dentro de uma Faculdade é gesto assumido de quem não quer dirigir uma Faculdade, mas antes uma qualquer máquina de forma(ta)ção de pessoas. É dizer à comunidade estudantil que o que dela se espera é obediência e nenhum questionamento – se sair desse plano, responde-se com autoridade e força bruta.
As e os estudantes que têm ocupado várias Faculdades nos últimos dias não acordaram um dia com vontade de aborrecer as instituições. Estão a tentar que se discuta colectivamente um problema que é de toda a gente e estão a fazê-lo nos seus espaços, onde passam boa parte do dia e que assumem ser espaços de interacção com o mundo. O sentido de urgência que transmitem não é simbólico: a urgência existe mesmo e comprova-se diariamente na temperatura atmosférica, nas cheias, nos incêndios, nas massas de água inutilizadas pela poluição, na seca extrema que afecta tantos lugares do mundo. A Ciência anda a avisar há muitos anos e o planeta não se compadece com as orelhas moucas de governos que fingem que ainda temos tempo. A esta urgência, as direcções das Faculdades podiam responder com abertura de espaços de debate e envolvimento político numa questão que não é um pormenor na nossa vida colectiva, mas muitas preferem responder com repressão policial. É lamentável, condenável e revelador de uma ideia de Faculdade que acompanha na perfeição o neo-liberalismo selvagem que tomou conta do mundo – preparem-se para o mercado, habituem-se a aceitar tudo, não questionem nada que não possam resolver sozinhos. Num momento em que, no país e no mundo, ideias e políticas anti-democráticas e autoritárias crescem e ameaçam direitos e liberdades que há muito temos como garantidos, a repressão feita às estudantes e o silenciamento forçado da comunidade universitária dá passos num sentido particularmente perigoso. À beira do ano em que nos preparamos para celebrar meio século do 25 de Abril, tudo isto é revoltante.
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