Nota editorial: Recebemos várias cartas de prisioneiras do E.P. de Tires. As denúncias que fazem carregam grande risco, estando constantemente a sofrer represálias, desde agressões a insultos, bem como ser barradas de fazer refeições e de receber encomendas, ou tendo a sua correspondência violada. É por isso um ato de coragem e resistência, a escrita destas cartas. As suas vozes ecoam dentro e fora das prisões, até que todos os muros caiam, e todas as prisões sejam obsoletas.
Terror e Miséria nas Prisões em PortugalDescarregar
Abaixo assinado de mais de 50 reclusas do E.P. de Tires
Venho por meio desta carta comunicar as autoridades Brasileiras e a imprensa, que a situação do Estabelecimento prisional de Tires (Portugal) é deplorável para nós ‘Brasileiras’.
Primeiramente temos a questão de comunicação: o Ep dispõe de poucos meios para contato, uma vez que no pavilhão 1 que é onde estamos é dividido por 3 pisos. Cada piso é composto apenas por dois Telefones para cerca de 80 a 90 reclusas e só no primeiro piso são poucas menos de 30 (…)
Temos o intervalo de uma hora pela manhã e uma hora a tarde mas os pisos com mais pessoas se misturam e quase sempre fica trancado, nós temos 15 minutos diários para ligar mas com tantas reclusas e poucos Telefones por vezes se torna impossível sem falar na burocracia para adicionar o número ou carregar o “PT”. As pessoas que aqui vivem “portuguesas” também têm a mesma quantidade de tempo para chamadas porém sempre conseguem ligar várias vezes utilizando outos “PT’s” o que nos prejudica ainda mais em questão de contato com parentes e amigos. Nós temos o direito a visita mais por questões financeiras claro isso é quase completamente fora de questão, algumas até conseguem mas são casos raros, então nos dão oportunidade para chamada de vídeo que tem a duração de 20 minutos duas vezes por mês mais também por conta da burocrácia mal conseguimos fazer sequer uma chamada quanto mais as duas as desculpas são por falta de internet, email errado, ou simplesmente falta de uma guarda que saiba manusear o computador.
Temos as questões de encomendas que por sua vez vindas de longe demoramos a receber e se a mesma chegar a meio de um mês temos que esperar até que o outro se inicie para nos ser entregues.
Há guardas que nos entendem e tentam até nos ajudar, porém também existem aquelas que por muitas vezes nos humilham e nos tratam mesmo como inferiores pelo simples fato de sermos estrangeiras. Por muitas vezes quando alguma de nós passa mal a meio da noite, elas nem sequer se dão ao trabalho de abrir a cela para saber o que se passa, certo dia isso ocorreu, uma moça da cela ao lado da minha passou mal chegou a desmaiar, a guarda só levantou a portinhola dela e fez a seguinte pergunta ‘Ela estás a respirar’ depois virou as costas e foi embora sem mostrar nenhum sentimento, nós aqui é que cuidamos umas das outras como podemos.
Na questão alimentar por vezes a comida é servida como se fosse para porcos, fria, crua e por vezes parece estragada. A Dieta daqui baseia-se em peixe cru e batata crua. São raras as vezes que temos uma alimentação razoável.
Aqui quem não recebe ajuda da família tem direito a um kit de higiene, mas basta que receba um carregamento para que o mesmo seja cortado por meses, nossas famílias não têm condições financeiras para nos enviar carregamentos todos os meses, esse kit Básico deveria ser-nos fornecido pois as coisas aqui são super caras e até mesmo o que eram doações de instituições ou igrejas eram vendidas ao invés de doadas a quem precisa e muitas dessas doações eram foram cortadas para o Ep por reclamações das reclusas. Há também a situação de uma reclusa que suicidou-se por falta de atendimento e atenção por parte do Ep isso ocorreu no dia 1º de Janeiro 2023. No dia seguinte uma outra reclusa colocou fogo na cela e muitas de nós passamos mal porque ficamos presas por muito tempo inalando fumaça pois as guardas também com medo de inalarem fumaça não queriam abrir as portas, até hoje não vi aqui meios corretos para parar um início de incêndio ou para evacuar o prédio, não há explinters, não há extintores não há saída e se o fogo começa no andar de baixo o único que possui extintor e a saída, o resto de nós não temos para onde correr podemos não morrer queimadas mas sim asfixiadas enfim esta é a realidade do Estabelecimento Prisional de Tires (Portugal)
Assinada por 50 reclusas do Estabelecimento Prisional de Tires
Recebemos várias cartas de reclusas que estão no Estabelecimento Prisional de Tires. É importante notar que, ao noticiar sobre as pessoas presas, as opressões, problemas e contextos são múltiplos, não havendo um, mas sim dezenas de problemas, incidentes e queixas que se sobrepõem.
A prisão é um fractal, onde toda a sociedade e o aparelho repressivo do estado se encontram e chocam com as pessoas que estão presas. Por isso é impossível falar apenas de um caso, de uma situação ou de uma morte. São 12 mil seiscentas e dezoito pessoas presas em, 49 prisões Portugal, mais de 90% são ‘homens’ e cerca de 7% ‘mulheres’. Mais de 10 milhões de pessoas estão presas em todo o mundo.
Video: PTrevolutionTV
https://www.facebook.com/ptrevolutiontv.live/videos/679180154006804/
Não estamos todas, faltam as presas
«Todas no refeitório chamamos a chefe de turno … e lhe mostramos o prato. Resumindo, mais um dia todas sem almoçar»
O Estabelecimento Prisional de Tires é uma Prisão feminina (a ala masculina está desativada), com uma lotação de 667 e ocupação efetiva (em 2019) de 420 reclusas, quase metade do total de mulheres encarceradas em Portugal. Em Tires, 141 são mulheres estrangeiras, 51 delas são brasileiras, maioritariamente detidas por serem correios de droga.
Esta semana o grupo de mulheres reclusas no EP de Tires realizou uma reunião pacífica no pátio do E.P de Tires, com o objectivo de conseguir que os carregamentos para as compras de comida fossem entregues. O carregamento chegou no dia 25 mas só seria possível fazer as compras 4 dias depois. Elas estavam sem comida há vários dias. Esta situação é recorrente. O grupo de mulheres tem vindo a reivindicar coletivamente por melhores condições na prisão.
Reivindicaram assim coletivamente a entrega do carregamento mais cedo, tendo conseguido que as suas reivindicações fossem entregues pela guarda chefe de turno à diretora do estabelecimento prisional, e assim o carregamento foi libertado para que elas pudessem fazer as suas compras. Estas compras são importantes, porque a comida na cadeia muitas vezes está crua, ou não tem qualidade, sendo que as pessoas têm de comprar comida à parte. Há ainda assim, falta de comida, porque são muitas mulheres. «Às vezes passamos semanas sem comer só sobrevivemos no pão e o pão que compramos com o dinheiro que a família pode nos enviar. Os preços na cantina são totalmente o dobro da rua» diz uma outra reclusa numa carta publicada pelas Vozes de Dentro.
Além disso, enviaram uma carta de socorro direcionada a Lula da SIlva, pedindo ação da embaixada Brasileira para que sejam transferidas para cumprir a pena no Brasil. Embora a embaixada diga que houve transferências que foram aceites, elas ainda não aconteceram.
Relativamente a pedidos de extradição de cidadãos estrangeiros, o Observatório Europeu das Prisões diz que:
Na prática, os reclusos têm de solicitar o contacto com os seus representantes diplomáticos ou consulares diplomáticos ou consulares, o que pode eventualmente acontecer, mas é muito difícil.
O estatuto exige que os reclusos estrangeiros sejam informados da possibilidade das referidas transferências e da forma de e sobre como processar tal pedido, bem como que sejam mantidos informados sobre o estado do seu pedido uma vez apresentado. De facto, os reclusos não são informados. Quando recorrem ao processo de extradição, podem ter dificuldade em saber o estado do seu pedido. E quando são extraditados, podem não saber o que vai acontecer até ao momento da transferência efectiva.
“Sim cometemos um crime. E estamos pagando por isso. Mas…”
Nas cartas, as mulheres queixam-se de xenofobia, maus-tratos, fome, abuso de poder, humilhação, preconceito, falta de assistência médica ou de remédios e péssima alimentação. Há casos em que as reclusas são negadas refeições arbitrariamente pelas guardas, como represália por denunciarem as condições na cadeia.
Nos poucos momentos em que podem sair das celas existem várias filas: a do café, a do almoço e a do Telefone. Aí, as pessoas têm de escolher, se vão comer ou se vão fazer uma chamada. As filas são sempre muito longas, o que resulta com que as pessoas muitas vezes não consigam fazer aquilo que precisam.
«Os e as guardas têm gritado para nós que não gostam de ser ameaçados e que não têm medo das nossas denúncias», diz uma das cartas. Após as denúncias em carta feitas pelas reclusas, as canetas parecem ter desaparecido da cantina, e várias têm sofrido represálias. A correspondência das reclusas também é aberta e lida pelos serviços prisionais.
As reclusas Brasileiras em Tires relatam ser vítimas de Xenofobia, «Somos tarjadas de “mal educadas”, “faveladas”, “Putas” constantemente tanto por guardas como por reclusas.»
«Tenho muito medo de acontecer algo aqui comigo pois já vi acontecer coisas horrorosas e castigos, até com homem polícia batendo em recluso» diz uma das cartas.
«Aqui há muitas reclusas com problemas de saúde que enfermeiros dão remédios trocados e não encaminham para o hospital», diz um dos relatos. Numa outra situação, uma reclusa foi levada a sangrar das orelhas e do nariz para o hospital, mas «a guarda não a deixou ser submetida a exames nem ser medicada, à mesma disse que tinha medicação para ela no E.P.»
Uma das mulheres diz ter problemas de estômago. No entanto, a enfermeira medicou-a com antidepressivos. Uma outra, com uma doença grave,em tratamento antes de ser presa, foi-lhe negada a medicação para o continuar, causando-lhe fortes dores e sangramento. Outras reclusas com doenças contagiosas ou sexualmente transmissíveis, não recebem qualquer tratamento. As cartas contêm pedidos de socorro de reclusas que sofrem de problemas muito graves de saúde que apenas se agravam, desdobrando-se em depressão, ansiedade e outros problemas.
«Se ficarmos doentes morremos aqui, por não ter um atendimento médico, é uma humilhação»
Tomam em vez disso, medicamentos “aleatórios”, dados por guardas ou “agentes de saúde” , mas nunca prescritos por médicos, que pioram muitas vezes as suas situações clínicas, causando até mortes, como se pode imaginar. No caso de Danijoy, que abordamos mais à frente, é mencionado que ele estava a tomar muita medicação não prescrita “o que podia causar ataques cardíacos” como referem os enfermeiros. Se Danijoy não foi morto às mãos dos guardas, morreu de tomar as drogas da prisão.
«É tão irónico estarmos presas por drogas e o próprio sistema do E.P. nos drogar com medicações para nos controlar, algumas reclusas andam pelo pavilhão drogadas».
As reclusas apesar disto, dizem ‘apoiar a greve’ das guardas prisionais. Relatam que por vezes só há uma guarda para os três pisos, e por serem poucas nos turnos, essa sobrecarga recai ainda mais as reclusas, pelo nervosismo e stress que as guardas passam também.
O artigo “A Prisão no Feminino” publicado no Jornal Mapa em 2022, dá conta da situação das mulheres presas em Portugal, cerca de 10% da população prisional, uma das taxas mais altas na Europa, e que tem vindo a aumentar. Por serem menos, são relegadas ao silenciamento das suas experiências na prisão.
Lê-se no artigo do MAPA que:
«As condições a que são sujeitas, desde a péssima alimentação; a falta de acesso a cuidados dignos de saúde, a produtos de higiene, a fraldas e a produtos essenciais para bebés e crianças; a sobrelotação; as celas frias e degradadas e, e tal como nos foi relatado desde uma prisão feminina no último mês de Novembro, a falta de água quente, são acrescidas de maior violência e abusos, em parte, devido aos estereótipos de género e raciais que legitimam a dupla/tripla punição exercida através de um maior controlo e repressão pela imposição de regras mais estritas, maior aplicação de sanções disciplinares, medicalização e violências sexuais e raciais. De referir que esta dupla/tripla punição (em função do «crime», do «género» e da «pertença étnico-racial») é também exercida pelos tribunais que tendencialmente condenam as mulheres a penas maiores e lhes aplicam menos medidas de flexibilização.
(…)
Os processos de criminalização são, muitas vezes, expressão da continuidade da violência machista a que já eram sujeitas nas suas vidas e que é perpetuada dentro da prisão. Isto porque muitas mulheres presas resistiram nas suas vidas a vários tipos de abuso e de violência de género, sendo comum que os seus crimes estejam diretamente relacionados com a obtenção de recursos para a sobrevivência, como é exemplo o tráfico de droga.»
No caso do tráfico de droga como motivo que leva as mulheres a serem encarceradas, os estudos mostram que as mulheres são acabam por ser presas por causa do tráfico, especialmente motivadas por fatores de necessidade económica associadas à pobreza e ao desemprego, mas também, em muitos casos, porque são forçadas, ou enganadas, para que o façam, muitas vezes elas próprias vítimas de crimes ligados ao tráfico de seres humanos.
Uma das reclusas relata isso mesmo na sua carta:
«Vim enganada que traria microchips de criptomoedas para não pagar imposto pois valeria bem mais apenas pagarem minha viagem do que o imposto e colocaram cocaína na minha mala, fui enganada por criminosos e estou respondendo um processo de tráfico, mas por mais que trouxe cocaína fui um correio como várias meninas que chega todos os dias aqui em Tires, enquanto a rede de tráfico está livre, “nós” correios ou mais conhecidas por “mulas” estamos aqui respondendo por um processo de tráfico e vamos ficar de 4 a 12 anos numa cadeia que nos trata muito mau com xenofobia»
Grande parte das pessoas que estão presas, foram elas próprias vítimas de diversos abusos, violência e pobreza, e no caso das mulheres, muitos dos crimes que cometem estão diretamente relacionados com os abusos de que sofrem tais como terem fugido de casa quando eram crianças, consumo de drogas para lidar com os efeitos dos abusos na saúde mental e trabalho sexual para pagar a auto-medicação, ou por se revoltarem contra parceiros violentos.
Na prisão, sofrem ainda mais, seja de violência física dos guardas, racismo, xenofobia, ou violência sexual.
“Quando Entramos para Cumprir uma Sanção, Logicamente que Sabemos que Viveremos Sob um Regimento de Sistema Prisional, Mas Nem imaginamos o que acontece por Dentro Dos Portões e grades. (…) Sofremos De preconceitos, Xenofobia, Racismo, Homofobia, Abuso De Poder e Abuso de confiança. No Sistema Prisional não é ofertado Nenhum Tipo De Ressocialização.” diz uma reclusa em carta publicada no artigo do Jornal Mapa.
entraram vivos, saíram Mortos
No ano de 2023, o primeiro dia de Janeiro foi o último, na vida de Patrícia Ribeiro. Enforcou-se no 1º piso do Estabelecimento Prisional de Tires, onde centenas de mulheres estão presas.
«Gritavam com ela e ela tinha que trabalhar drunfada, pois a enchiam de medicação. Ela tentou suicidar-se várias vezes» lê-se numa carta publicada pelo coletivo Vozes de Dentro, a 19 de Janeiro “Relato sobre o suicídio de Patrícia Ribeiro na prisão de Tires”. No dia seguinte, outra reclusa pegou fogo à cela.
O Coletivo Vozes de Dentro escreveu nessa altura que:
«A maioria das mortes nas prisões são relegadas ao silêncio mórbido do sistema prisional, especialmente as que ocorrem nas prisões femininas. Quando vêm a público são alvo de especulação mediática, de péssima qualidade, por parte de jornais e televisões, tal como sucedeu com as recentes mortes de Maria Malveiro dia 29 de Dezembro de 2021».
São comuns os relatos de que guardas prisionais entragam cordas a reclusas, motivando-as a se matarem.
O número de mortes em prisões portuguesas é elevado. Nos últimos dez anos, houve 649 mortes nas prisões. No entanto, estes óbitos não são investigados. O DN noticiava em 2022 que das 303 mortes em prisões nos cinco anos anteriores, apenas 6 foram investigadas pela PJ. Pouco ou nada se sabe sobre as condições que levaram à morte destas pessoas. A taxa de mortes anuais nas prisões Portuguesas é o dobro da média Europeia, com 50 mortes por 10 mil reclusos.
Esta semana, um relato das Vozes de Dentro diz que, vários rumores apontam para que um jovem de 17 anos que estava preso em Custóias, teria sido internado em morte cerebral no hospital Pedro Hispano no Porto. Esta informação foi também avançada pelo Correio da Manhã. A APAR veio desmentir a notícia, dizendo ter contactado a DGRSP, que afirma que “o recluso em causa (…) se encontra perfeitamente integrado e sem registo de qualquer incidente (…) de saúde”. As pessoas que inicialmente fizeram a publicação na internet, dizem ter-se enganado. A notícia oa CM citava um dirigente do Sindicato dos Guardas Prisionais afirmando que “há imagens de videovigilância e foi suicídio”, e negando quaisquer agressões ao jovem. A família também terá confirmado que afinal, seria mentira.
Mas porque disse o dirigente do sindicato à CM que foi suicídio, se a DGRSP diz afinal que não houve quaisquer incidentes? O que aconteceu?
Não sabendo o que aconteceu com este jovem, existe em Portugal um padrão de ocultamento que rodeia as agressões e maus tratos nas prisões. O Relatório da Comissão para a prevenção da Tortura de 2020 menciona casos em que os relatórios dos oficiais de serviço não mencionava o facto de que a polícia anti-motim tinha entrado e disparado sobre uma manifestação pacífica numa prisão do Porto.
No mesmo dia 15 de setembro de 2021 morreram três pessoas em prisões, duas das quais, no Estabelecimento Prisional de Lisboa, Danijoy Pontes e Daniel Rodrigues. O estado afirma que estes jovens tiveram uma “morte natural”.
Danijoy Pontes de 23 anos, faleceu no dia 15 de setembro de 2021 no EPL de Lisboa, e este ano, o processo foi arquivado alegando, “morte natural”. Daniel Rodrigues de 37 anos, que morreu na mesma ala do EPL a poucos metros de distância e com poucos minutos de diferença de Danijoy. Miguel Cesteiro, de 53 anos, foi encontrado morto a 10 de janeiro de 2022 no EP de Alcoentre. Sobre todos estas mortes recai o silêncio do estado, o segredo de justiça, obstáculos burocráticos e mentiras. Em 2022 houve 58 mortes nas prisões.
As famílias organizaram uma manifestação a 17 de Setembro 2022 para exigir justiça por Daniel, Danijoy, Miguel e todas as vítimas do sistema prisional. As familías afirmam que eles foram assassinados. A resposta do estado, de “morte natural” é simplesmente inacreditável. É, no mínimo, improvável que dois jovens de 23 e 37 anos tenham morrido no mesmo dia de “mortes naturais”, no mesmo lugar.
No manifesto da manifestação “ENTRARAM VIVOS E SAÍRAM MORTOS!” lia-se:
“Ao contrário do que diz a lei, perante estas três mortes, todas em circunstâncias suspeitas, a Polícia Judiciária não foi chamada ao local. Além disso, a demora no acesso aos corpos das vítimas e aos relatórios das autópsias por parte das famílias são sintomáticos da invisibilização produzida pelo estado que condena ao silêncio e ao esquecimento as violações nas cadeias portuguesas. Como é possível que a DGRSP se tenha apressado a arquivar tão rapidamente estes casos? Porque não respondem aos pedidos feitos pelos advogados? Onde estão os relatórios das autópsias de Daniel e Miguel?
De facto, as instituições de justiça portuguesas ignoram o sofrimento e a angústia das mães, filhos e filhas das vítimas do estado, parecendo não se preocupar com o facto de, em Portugal, o tempo médio de duração da pena de prisão ser o triplo da média europeia, e de, nas últimas décadas, Portugal ser dos países onde mais se morre nas prisões e o terceiro com maior taxa de suicídio. Acrescem ainda denúncias sistemáticas de situações de tratamento desumano e tortura nas prisões. Porque esteve Danijoy na solitária nos dias que antecederam a sua morte e porque continuam a existir estes espaços? Porque não puderam as mães visitar os seus filhos durante tanto tempo?”
A 10 de março de 2023 decorreu a mais recente mobilização Juntas/os do Luto à Luta: Justiça para Daniel, Danijoy e Miguel’, em frente ao Ministério da Justiça, para exigir que o estado português assuma as suas responsabilidades relativamente à morte destes jovens e de todas as pessoas presas que morreram sob a tutela do estado, e abra uma investigação séria para apurar as causas das suas mortes. Esta mobilização foi filmada pela PTrevolutionTV.
Nesse dia, entregaram uma carta à Ministra da Justiça. As mães continuam em luta por justiça e verdade sobre as mortes dos seus filhos. Não é aceitável que as famílias não sejam notificadas sobre o desenvolvimento dos casos e das investigações. Os casos foram arquivados este ano, sem mais explicações.
Sabemos pelas autópsias, que os dois jovens estavam a tomar grandes quantidades de medicamentos, incluindo metadona, mas não tinham qualquer problema de saúde que justificasse a toma destes medicamentos. Não eram os únicos. Todas as pessoas reclusas afirmam ser “drunfadas” em grandes quantidades sem qualquer justificação.
Como se lê no Afrolink, “ninguém explica como é que um jovem de 23 anos, que em Julho tinha sido acusado de simular doença psiquiátrica, revela ter à data da sua morte, em Setembro, medicamentos para tratar a esquizofrenia no organismo.”
Na altura, a mãe de Danijoy, Alice Santos, falou no Lado Negro da Força, explicadno que há uma série de incongruências no caso, incluíndo a presença de sangue nas roupas de Danijoy, bem como um hematoma na testa, “como se estivese partida”.
Numa Audição a Especialistas sobre Afrodescendentes e Comunidade Brasileira da Comissão De Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades E Garantias, em 2019, Mamadu Bá, dirigente do SOS Racismo, ativista contra o racismo e discriminação étnico-racial, disse que não houve até agora nenhuma condenação que resultasse em pena de prisão efetiva por abuso de violência policial, o que aponta como uma falha do estado:
«Nos últimos tempos, temos visto vários casos de violência policial, mas não só, de pessoas que desempenham funções, supostamente, de segurança e que abusam desta prerrogativa para exercer violência sobre corpos negros e nada acontece relativamente a isto. Até agora, todos os casos ou foram arquivados ou as pessoas foram condenadas a penas suspensas.»
A falta de condenações na Justiça por atos de racismo ou discriminação traz um sentimento de impunidade para quem os pratica, e demonstra a desigualdade na aplicação da justiça. Em Portugal, uma pessoa pode ser presa durante anos por um pequeno furto, mas outra pessoa pode escapar impunemente à justiça após assassinar alguém, especialmente se o assassino pertencer às forças do aparelho repressivo do estado. Transformar o racismo num crime público pode ser o caminho para o fim da impunidade.
Video: PT Revolution TV
https://www.facebook.com/ptrevolutiontv.live/videos/788407732899323/
No dia 10 de Junho, decorreu uma acção de luta e homenagem às vítimas de racismo e xenofobia em Portugal. Este dia, celebrado nacionalmente pelo estado como sendo o “dia de camões”, foi precisamente o dia em que Alcindo Monteiro foi brutalmente foi brutalmente assassinado, em 1995, por um grupo de nazifascistas.
Os mesmos que hoje, acusam Mamadou Ba. As últimas audiências decorreram este mês, num processo por alegada “difamação” movido por um dos assassinos do grupo que matou Alcindo Monteiro Audio: “Quando há discriminação racial, não há democracia”
Entrevista com Mamadou Ba
Em Portugal, a lei não permite apurar estatísticas étnico-raciais da população prisional, apesar das recomendações da ONU para que o faça. Mas sabemos que há uma grande desproporção de pessoas afrodescendentes, ciganas e brasileiras na população prisional.
Numa reportagem do Público, “Racismo à Portuguesa”, diz-se a proporção de cidadãos dos PALOP que está presa é dez vezes maior do que de cidadãos portugueses. Para Cabo-Verdianos, é 15 vezes maior. Um em cada 48 cidadãos cabo verdianos em Portugal, está detido, um em cada 37 (homens) dos PALOP está preso. Na Amadora e em Sintra, um cabo-verdiano tem 19 vezes mais probabilidades de estar preso do que um português.
O Relatório da Comissão para a Prevenção da Tortura, aquando da sua última visita a Portugal, em 2019, diz que “foram recebidas várias alegações de maus tratos infligidos a reclusos por funcionários prisionais, nomeadamente nas prisões de Caxias, Central de Lisboa e do Porto. Os maus-tratos consistiram em bofetadas, murros, pontapés e golpes de cassetete no corpo e/ou na cabeça.”
Também menciona um outro caso, no Porto, em que os reclusos foram atingidos por balas de borracha: “Em dezembro de 2018, no decurso da greve dos guardas prisionais, um protesto passivo na ala A foi interrompido por um grupo de intervenção com equipamento anti-motim, durante o qual foram disparadas várias balas de borracha e vários reclusos ficaram feridos.”
A comissão nota que “Os relatórios diários do oficial de serviço (Relatório do Graduado de Serviço do dia), que não eram exactos nem exaustivos, não mencionavam qualquer distúrbio nesse dia e o estabelecimento prisional também não possuía qualquer livro de registo de incidentes.”
Na altura o comité recomendou que fossem tomadas medidas para assegurar que a informação e os relatórios relativos a incidentes “extraordinários” sejam classificados numa pasta específica.
Podemos assim confirmar pelo relatório que a omissão dos incidentes “extraordinários” é prática corrente nas prisões. Ninguém parece querer assumir responsabilidade sobre o tratamento criminoso de reclusos dentro das prisões por parte do estado.
Os “média” são cúmplices, ao retratarem as pessoas como criminosas, focando-se sempre nos crimes que cometeram, nos dramas individuais que as envolvem, criando assim uma atmosfera de ódio, terror e desconfiança relativamente à pessoa reclusa e ignorando a tortura e os maus tratos sistemáticos a que são submetidas as pessoas que estão presas em Portugal, os atropelos à lei, a injustiça, o racismo e xenofobia sistemáticos a que as pessoas são sujeitas, dentro e fora dos muros das prisões.
Existem mais de 20 processos contra Portugal no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos sobre as condições nas prisões.
Num dos acórdãos do TEDH que condena Portugal pelas condições do meio carcerário, o relativo ao ex recluso romeno Daniel Petrescu, em 2019, o Estado português é instado a criar um mecanismo para a proteção dos direitos dos reclusos que faça respeitar as condições do Comité de Prevenção de Tortura.
Portugal foi recentemente condenado pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos por violação do artigo 3º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (que estabelece a proibição de tratamentos desumanos e degradantes), num caso movido por um cidadão ucraniano que esteve preso em Portugal.
O Papa chegou esta semana a Portugal. Entre a contestação social, a chamada ao boicote, os mais de cem milhões de euros gastos para receber os quase dois milhões de peregrinos, a tentativa de apagamento e desalojo das populações de sem-abrigos em Lisboa, uma outra questão foi abordada: A Amnistia.
Pela vinda do Papa a Portugal, o estado decidiu conceder amnistia a pessoas que foram presas com entre 16 e 30 anos, e que cumpriam penas até 8 anos de prisão. A amnistia retira um ano de pena.
A contestação alastrou-se dentro e fora das prisões. Em várias prisões, os reclusos fizeram abaixo-assinados com centenas de assinaturas para propor alterações a esta proposta de Amnistia do Governo. Na semana que passou, a PTrevolutionTV acompanhou um protesto de familiares de reclusos em frente à assembleia.
Video: PTrevolutionTV
https://www.facebook.com/ptrevolutiontv.live/videos/269573902350566/ Audio: Protesto de Familiares de Reclusos, “Amnistia para Todos”
O Duas Linhas escreveu que:
«Depois dos reclusos do Estabelecimento Prisional de Aveiro terem divulgado um abaixo assinado com dezenas de assinaturas onde propõem alterações à proposta (que terá de ser discutida e votada na Assembleia da república), outros grupos de reclusos de outras prisões fizeram o mesmo.
No Estabelecimento Prisional da Carregueira (Ala A), reuniram 207 assinaturas. No Estabelecimento Prisional de Monsanto, 37 assinaturas. No Estabelecimento Prisional de Tires (Feminino), 111 assinaturas. Segundo a Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso (APAR), “há muitos mais Estabelecimentos Prisionais a fazer a recolha de assinaturas.»
Abaixo os Muros de Todas as Prisões
O quão difícil é imaginar um mundo sem prisões?
Em Junho decorreu em Lisboa a Feminist No Borders Summer School que onde se debateu “a violência das fronteiras, das prisões e das formas patriarcais de opressão e controlo, para desordenar, como desmantelar lógicas carcerárias, e como substituir respostas humanitárias por solidariedade feminista e solidariedade feminista e antirracista”
Adotar uma perspetiva abolicionista significa dissociar os cuidados das abordagens punitivas, coercivas e humanitárias e humanitárias, todas elas promulgadoras de carceralidade e controlo. De facto, as práticas quotidianas de cuidados, de ajuda mútua, solidariedade e amor radical, fora da lógica da ajuda humanitária (por exemplo, as ocupações auto-organizadas de habitações, de habitação auto-organizados, busca e salvamento civil, cozinhas colectivas, clínicas sociais, etc.) são frequentemente alvo de criminalização e repressão estatal.
O nexo cuidados/controlo reproduz fronteiras violentas. Por exemplo, nos discursos anti-tráfico Por exemplo, nos discursos anti-tráfico, as pessoas identificadas como mulheres são frequentemente consideradas vulneráveis e necessitadas de “cuidados” humanitários. “humanitária”; no entanto, no regime de fronteiras, a vulnerabilidade é transformada em arma através de através do desempoderamento sistémico, do acampamento e da degradação em instituições carcerárias (como campos e centros de detenção).Feminist No Borders Summer School
https://feministresearch.org/wp-content/uploads/2023/02/FNBSS-2023-CfP.pdf
O artigo As Prisões são o Vírus no Jornal Mapa diz que:
«As taxas de reincidência nos diversos sistemas prisionais pelo mundo são de 75% ou mais. Em Portugal, foi possível apurar, pelo Observatório Europeu das Prisões, que cerca de 80% das pessoas presas já foram institucionalizadas, algumas desde crianças, em instituições de acolhimento de crianças, casas-abrigo para vítimas de violência doméstica, casas de inserção da Segurança Social, hospitais psiquiátricos; e ainda que cerca de metade das pessoas presas são filhas de presos.»
As taxas de reincidência são cerca de 75%. Isto demonstra que o sistema prisional é disfuncional, e não promove qualquer tipo de reparação ou reinserção.
O movimento abolicionista assume que a punição carceral está associada historicamente à escravatura e ao regime racial capitalista que mantinha a escravatura. A expansão do sistema prisional serve para oprimir as pessoas negras e outros grupos politicamente marginalizados para manter o sistema racial capitalista.
Angela Davis no seu livro “As prisões estão obsoletas?” questiona “com é difícil imaginar uma ordem social que não se baseie na ameaça de sequestrar as pessoas em lugares terríveis, destinados a separá-las das suas comunidades e famílias. A prisão é considerada tão “natural” que é extremamente difícil imaginar a vida sem ela.”
A Abolição significa um mundo onde não usamos o complexo prisional industrial como resposta aos problemas. A Abolição significa que em vez disso, construimos novas formas de prevenir. Responder aos problemas quando eles acontecem, sem simplesmente ‘punir’. Tentaremos resolver as causas dos problemas, em vez de usar soluções falhadas. Em vez de usar a polícia, os tribunais e as prisões, construir comunidades sustentáveis e saudáveis, com o poder de criar segurança para todes.
Podemos sim, imaginar e construir um mundo mais humano e democrático que não tenha de encarcerar pessoas para resolver problemas sociais.
A longa história de oposição às prisões é tão antiga quanto as próprias prisões.
«Eu não consigo entender, se o país ou o estado não tem condições de nos manter no E. P. Tires, porquê querem tanto nos segurar aqui.»
Se, por um lado, o sistema prisional Portguês está longe de ser igual ao de outros países, como nos Estados Unidos, onde as prisões são geridas por empresas privadas, gerando lucros cada vez maiores, e com tendência a um crescimento cada vez maior da população prisional, também é verdade que as prisões são todas elas lugares problemáticos.
A incapacidade do sistema prisional em todo o mundo de impedir de forma alguma que a maior parte das pessoas que são privadas de liberdade ao longo das suas vidas voltem a cometer crimes, e aliás, voltar à prisão mais tarde, deveria servir como argumento para qualquer tese que defenda a necessidade da existência das prisões como lugares de penitência ou reabilitação. Devemos questionar, como diz Angela Davis, porque é que tanta gente acaba presa, sem um debate maior nas nossas sociedades sobre a eficácia do encarceramento.
Cada prisão gera uma nova prisão, e multiplica o número de pessoas encarceradas.
Porque será que tomamos a prisão como garantida, parte do sistema estatal, policial e da justiça? Porque insistimos em encarcerar as pessoas, em vez de procurar outras formas de justiça? E porque pensamos que as prisões estão reservadas para os “criminosos”, ou aqueles “que praticam o mal” (um termo popularizado por George W. Bush)?
A realidade é que, uma parte substancial das pessoas que está presa, foi por razões que, poderiamos argumentar, são insuficientes para tal pena. As prisões são parte de um sistema racial / racista, que aplica a “justiça” com dois pesos e duas medidas, e tende a encarcerar as populações migrantes e marginalizadas muito mais do que as maioritárias ou hegemónicas.
Além disso, a prisão está amarrada à história da colonização e da escravatura. Em 2023, as Jornadas Mundiais da Juventude assinaram um acordo com o sistema prisional para produção de confessionários nas prisões, com o trabalho a ser pago entre 2 a 3 euros por dia. O trabalho nas prisões é um dos casos de escravatura moderna.
Como diz a campanha “Sem PAPAS na língua”, em Portugal, «o encarceramento afeta mais de 14 mil crianças graças à reclusão de pelo menos uma figura cuidadora.»
Como seria um mundo sem prisões? O que fazemos com os “prisioneiros”? Com os “criminosos”?
Primeiro, temos de reconhecer que dificilmente conseguiríamos criar mais crime do que aquele que já é produzido pelo próprio sistema carcerário e policial. O encarceramento institucional é o crime organizado e gerido pelo Estado.
Depois, entender que, nas condições atuais, com as desigualdades que vivemos, as populações pobres, migrantes e marginalizadas, são muito mais policiadas do que as populações brancas ricas, levando a que tenham muito maior probabilidade de ser encarceradas. Quantos dos “crimes”, são cometidos por pessoas brancas que não estão, e provavelmente, nunca serão presas? Porque é que um banqueiro pode roubar milhões e não ser preso, e uma pessoa racializada que rouba carteiras na rua vai presa uma década?
Para abordarmos o abolicionismo, temos de procurar propostas e estratégias alternativas.
Grande parte da população prisional abandonou cedo a escola. Dentro das prisões são poucos os que têm sequer o ensino secundário. Não é por “falta de educação”, necessariamente, mas sim porque as escolas falharam com estas pessoas. O abandono escolar é reconhecido, até pelo sistema prisional, como um fator de “alienação” e de marginalização das pessoas no princípio da vida.
A criação de novas instituições para ocupar o espaço que a prisão ocupa na sociedade e diz Angela Davis, o reforço das escolas, sobretudo, que surgem como a mais poderosa alternativa às prisões. “Enquanto não tornarmos as escolas em lugares onde a aprendizagem seja uma alegria, as escolas vão continuar a ser os principais condutores para a prisão”. A alternativa, seria tornar as escolas em veículos para o “de-carceramento”.
No sistema de saúde, diz Davis, é importante notar que “há uma escassez de instituições disponíveis para as pessoas pobres que sofrem de doenças mentais e emocionais severas”. De acordo com Angela Davis, “há hoje mais pessoas com desordens mentais e emocionais dentro das prisões do que nas instituições de saúde mental”. Esta chamada, longe de pedir um retorno ao antigo estado de encarceramento e opressão das pessoas que sofrem de problemas de saúde mental, “sugere que as disparidades nos cuidados de saúde disponíveis aos ricos e pobres, devem ser erradicadas, criando outro veículo para o decarceramento.”
Devemos tentar imaginar alternativas múltiplas que irão necessitar grandes transformações na nossa sociedade. Para isso temos que nos dirigir a “solucionar também o “racismo, a dominação masculina, a homofobia, o preconceito de classe e outras estruturas de dominação”.
Em Portugal conseguimos já a descriminalização do uso de drogas, o que nos levou séculos para a frente em termos de encarceramento de utilizadores de drogas. No entanto, esta medida não confronta o facto de que, na economia da droga, são geralmente as pessoas marginalizadas, migrantes ou pobres que servem de mulas, ou que fazem a venda da droga ao consumidor, sendo que, geralmente, os grandes traficantes seguem impunes, ao passo que as pessoas marginalizadas sofrem as consequências de constantes incursões policiais aos bairros sociais. A guerra às drogas leva sempre grandes números de pessoas negras e racializadas para as prisões.
A descriminalização do trabalho sexual é também importante, para pararmos de penalizar aquelas pessoas que fazem trabalho sexual.
Além disso, rever políticas de imigração, atribuição de vistos e cidadania, seriam fatores que em muito poderiam ajudar. Há em Portugal pelo menos, 15.000 pessoas indocumentadas ( eram mais de 30.000 antes da pandemia ). Há também muitas que não conseguem cidadania ao longo das suas vidas, mesmo tendo nascido em Portugal. Estas pessoas são extremamente vulneráveis, passam a vida a ser perseguidas e tratadas como criminosas.
Devemos assim procurar quais os comportamentos e situações devem ser “apropriadamente” descriminalizados, bem como quais os problemas urgentes que temos de resolver, para melhor definir quais os crimes graves, que devem ser alvo da justiça e quais aqueles que são simplesmente parte de um sistema falhado, como passos anteriores à abolição.
Precisamos de refazer os sistemas de justiça, procurando reparação e não retribuição.
«Académicos como Herman Bianchi sugeriram que o crime precisa de ser definido em termos de delito e, em vez de direito penal, deveria ser direito reparador. Nas suas palavras, “[o infrator] já não é, portanto, um homem ou uma mulher mal-intencionados, mas simplesmente um devedor, uma pessoa responsável, cujo dever humano é assumir a responsabilidade pelos seus actos e o dever de reparação”.»Angela Davis, “Are Prisons Obsolete?”
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As Vozes de Dentro são um grupo de pessoas presas e pessoas que do outro lado dos muros acompanham e participam, de diferentes formas, nas lutas de presxs e suas famílias.
O Jornal Mapa noticia frequentemente sobre as pessoas presas e as condições nas cadeias.
O Estado Matou de Novo foi um grupo criado depois das mortes de Miguel, Danijoy e Daniel, para exigir verdade e justiça numa mobilização a 17 de Setembro de 2022, mas que continua ativo.
O Movimento SOS Racismo existe desde 1990 e propõe uma sociedade mais justa, igualitária e intercultural onde todos, nacionais e estrangeiros com qualquer tom de pele, possam usufruir dos mesmos direitos de cidadania.
A APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso, apoia os reclusos detidos em cadeias portuguesas.
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