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Carta aos actores públicos presentes no MIPIM 2024 contra a venda das cidades

STOP Despejos | Habita!

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Carxs MIPIM,

Senhora Vereadora da Habitação Filipa Roseta,
Câmara Municipal de Lisboa,
Câmara Municipal de Almada,
Câmara Municipal de Vila Franca de Xira,


De 11 a 15 de março, o maior salão internacional do imobiliário, o MIPIM, realizar-se em Cannes, França, onde se reúnem atores públicos, promotores privados, agentes imobiliários, investidores, banqueiros, fundos de pensões, urbanistas e arquitectos. Ficámos a saber que as pessoas eleitas e decisoras políticos da Câmara Municipal de Lisboa, de Almada e de Vila Franca de Xira estão a participar neste evento.

Para nós, membros da Coligação Europeia para o Direito à Habitação e à Cidade, o MIPIM é a fábrica mundial da especulação imobiliária e fundiária. O MIPIM é o local onde os actores públicos negociam a “venda” das nossas cidades, da nossa terra pública, um bem comum que nos pertence, de territórios, cidades e bairros inteiros ao mercado imobiliário privado. Consideramos que o que é decidido à porta fechada no MIPIM é da maior
importância para o futuro das nossas cidades, vilas e aldeias. Estes projectos devem imperativamente ser de domínio público, apresentados e decididos coletivamente com os e as habitantes.

Porque concordamos com o facto de que “housing matters”, precisamos de lhes enviar esta carta. A vossa participação ativa no MIPIM levanta-nos muitas questões e nos deixa altamente indignadas. Qual o sentido e as motivações da presença neste evento de dois pavilhões exclusivamente dedicados às áreas metropolitanas de Porto e de Lisboa? Lendo o que declararam anteriormente, a única conclusão que se pode tirar é que estão lá para vender as nossas cidades aos melhores oferentes. Queremos saber quais são “os investimentos e as oportunidades de parcerias imperdíveis” que as autoridades locais das
regiões prometem, a quem, e a qual custo nas nossas vidas.

Estamos muito céticas com a vossa observação: “a maioria das cidades não está a acompanhar o aumento da procura de habitação o que faz aumentar os preços e a desigualdade na habitação”. O facto é que somos afetadas no nosso quotidiano por despejos e demolições, por aumentos de renda, pela falta de habitação a preços acessíveis, pela degradação dos nossos apartamentos, pela privatização da habitação pública, pela explosão dos preços da energia, pela concorrência entre nós, as pessoas precárias, com os nómadas digitais e os “vistos gold” (leia-se: imigrantes ricos), o airbnb e a contínua expansão da especulação imobiliária nas nossas cidades, protegida e encorajada pelas
políticas públicas neoliberais que vocês representam. O facto é que o número das pessoas em situação de sem abrigo e em risco de perder a própria habitação em Portugal continua a aumentar. O fato é que o coliving (o que é isso? Um apartamento partilhado caro, ou seja a triste realidade da maioria das pessoas em Lisboa? 1) não é uma solução para travar o processo, como vocês querem nos fazer entender, mas simplesmente uma outra forma de
especulação e lucro face a esta crise.

Felizmente, há algum tempo que refletimos sobre quanto o “housing matters” e temos algumas sugestões eficazes, inspiradoras e entusiastas para vos relembrar:

Fim imediato dos despejos e das demolições sem alternativa habitacional
digna!

Há despejos porque o contrato de arrendamento não foi renovado, há despejos porque os governantes decidiram demolir as nossas casas, há despejos porque não aguentamos pagar rendas tão altas, há despejos porque não conseguimos pagar a casa ao banco… E não há alternativas. Queremos acabar com esta violência. Foram 1412 os requerimentos de procedimento especial de despejo que deram entrada no Balcão Nacional de Arrendamento entre janeiro e junho de 2023. Em quatro anos, segundo o Expresso, o número de sem abrigo cresceu 78%. Apelamos à resistência, à solidariedade e à desobediência civil contra os despejos.

A habitação é um bem de primeira necessidade: as casas são para viver, não para especular!

Queremos o aumento da habitação pública, social e cooperativa de qualidade que não implique nova construção sem fim. Coletivizar as casas vazias das empresas imobiliárias, fundos de investimento e grandes proprietários. No total, as casas vazias em Portugal são cerca de 723 mil: 150 mil só na zona de Lisboa, 2 mil das quais de propriedade da Câmara Municipal. Queremos resgatar a habitação da lógica do mercado. Queremos uma gestão da
habitação que diminua as desigualdades sociais e de género e que impeça a segregação étnico-racial. As soluções estão debaixo do nosso nariz e até na lei de bases da habitação: as casas têm de cumprir a sua função social. Queremos habitação para as pessoas e não para o lucro!

● Acabar com os apartamentos turísticos, as casas são para habitar!

De acordo com o Movimento do Referendo pela Habitação em Lisboa: “A ideia de que o AL se encontra apenas em quartos/apartamentos de pequenos proprietários há muito deixou de ser a regra. De acordo com o Registo Nacional de Alojamento Local (RNAL) e plataformas como AirBnB e Booking, à data da publicação deste texto existem 2583 empresas em Lisboa com registos de AL. Mais de 180 dessas empresas têm 10 ou mais ALs registrados.” Só em Lisboa, há cerca de 20.000 casas ao serviço do AL. As soluções para quem é despejada não podem ser pensões, nem abrigos da proteção civil. As pensões são para os turistas e os abrigos de proteção civil para as catástrofes. Os despejos não podem vir primeiro na ordem das coisas. Propomos a diminuição efetiva do número de apartamentos turísticos, a expropriação dos monstros imobiliários como a Apollo, e o fim efetivo dos Vistos Gold, do estatuto de residente não habitual e dos benefícios fiscais para os especuladores e para o luxo. As nossas cidades não estão à venda!

● Regulação das rendas!

As rendas são impagáveis e os ordenados são mínimos. A actual lei do arrendamento tem de ser revogada: queremos tectos máximos de renda e propomos a indexação do valor das rendas ao ordenado mínimo nacional. Se temos um ordenado mínimo, porque não uma renda máxima?

As soluções alternativas à lógica do mercado habitacional são um direito!

As ocupações não devem ser criminalizadas, mas sim apoiadas como soluções alternativas de habitação e organização coletiva. Uma nova gestão destas casas é necessária: apoiamos as ocupações que existem na cidade, tal como a utilização e a expropriação popular de prédios vazios. É urgente que as casas sejam usadas não para cultivar os lucros, mas para a razão pela qual foram construídas: para serem habitadas. As ocupações fazem parte da história portuguesa, sobretudo desde 25 de abril. As nossas avós ocuparam,
e nós queremos fazê-lo também!

● Tomar o espaço público e os espaços sociais!

Há praças, largos e passeios ao abandono e muitos concessionados a privados. Os espaços sociais, como associações e coletividades, estão a ser despejados para dar lugar a hotéis e residências de luxo. O comércio local está a desaparecer. Temos o direito a usufruir do espaço público e precisamos de espaços sociais de encontro onde possamos conviver, construir, e discutir a nossa vida coletiva. Lutamos pelo espaço público realmente público, cuidado e não mercantilizado, e pelo fim dos despejos dos espaços coletivos e do pequeno
comércio!

Como já devem ter percebido, não gostamos de eventos como o MIPIM, cuja versão regional é o SIL, o Salão Imobiliário de Lisboa, que este ano se realiza de 2 a 5 de maio. Eventos como o MIPIM não ajudam a resolver a crise de habitação. Pelo contrário, o que acontece anualmente no MIPIM tem um papel fundamental em tornar as nossas cidades meros objetos de lucro. O MIPIM é um lugar chave onde encontrar as raízes da crise de habitação que vivemos, o lugar onde a especulação se incentiva e organiza, com negócios altamente lucrativos de parcerias entre agentes públicos e privados. O que lá se orquestra
incide não só nas novas construções nas cidades, mas assim como no planeamento das políticas públicas e urbanas. Simplesmente, vocês não deveriam estar lá.

Denunciamos a participação da Câmara Municipal de Lisboa, de Almada e de Vila Franca de Xira, “organizadas este ano num stand conjunto, dinamizado pela InvestLisboa”. Como declarado em janeiro num evento de preparação ao MIPIM, “este ano, o stand da região de Lisboa no MIPIM vai crescer, para acomodar mais parceiros. Terá 116 metros quadrados, um aumento de área de 36% face ao ano passado, e situa-se numa localização privilegiada no pavilhão da feira, próximo da entrada e do corredor principal.” E ainda, Diogo Moura, vereador da Cultura, Economia e Inovação da CML, “destacou a visão do executivo de uma Lisboa «mais autêntica, global, sustentável. Queremos
transformar Lisboa numa cidade mais rica e competitiva, em qualidade de vida, na autenticidade das experiências. Hoje somos mais inovadores, e queremos continuar a transformar Lisboa numa verdadeira “fábrica” de unicórnios».”

Não queremos uma cidade mais rica e competitiva, não queremos unicórnios! Não queremos uma cidade à venda para quem mais pode oferecer! Não queremos 7 mil novas casas: mais cimento não é a resposta à crise da habitação! Lutamos pela habitação digna e acessível, pelos espaços associativos onde possamos organizar as nossas vidas fora da lógica do lucro, lutamos pelo direito ao bairro, e por uma vida digna e autônoma. Contra a especulação, nós apelamos à solidariedade e à auto-organização!

Nós, membros da Coligação Europeia para o Direito à Habitação e à Cidade, enviamos-lhes esta carta para lhes pedir que nos informe sobre os projectos urbanos, imobiliários e fundiários que estão a apresentar este ano no MIPIM em nome – e com o dinheiro – das nossas cidades e municípios.

1 Notas sobre o dito coliving:
O que é o coliving, esta nova forma de partilhar um apartamento que está na moda? Bem, está na moda se tiveres dinheiro para isso e se responderes a alguns critérios. Coliving dirige-se a estudantes de intercâmbio, jovens trabalhadores e pessoas “em transição”, que precisam de uma solução de alojamento rápida e fácil, mas que não tencionam ficar por muito tempo. Por isso, é preciso pertencer a este movimento de trabalhadores internacionais flexíveis, nómadas digitais (mas com um rendimento sólido, ou pais ricos) para ter uma hipótese de ser salvo da crise da habitação. O que é interessante é que os atores que suportam o coliving o analisam como uma oportunidade de investimento atrativa; mesmo que seja necessário fazer uma contribuição financeira substancial para começar, ganhará mais do que num apartamento partilhado tradicional e, dada a precariedade crescente da sociedade, nunca haverá falta de candidatos. Apresentar o coliving como uma “inovação […] capaz de provocar uma mudança significativa” no acesso a uma habitação
condigna é uma provocação e a demonstração de entender a realidade da precariedade e da crise da habitação como mais uma oportunidade de especulação.

Habita! – Associação pelo direito à Habitação e à Cidade
Stop Despejos – coletivo em luta pelo fim dos despejos, pela defesa do direito à habitação e pela construção coletiva, inclusiva e mais justa das nossas cidades

https://stopdespejos.wordpress.com/portfolio/carta-aos-actores-publicos-presentes-no-mipim-2024

https://habita.info/carta-contra-a-venda-das-cidades