Um novo relatório desmente que os contrabandistas de seres humanos sejam os maiores responsáveis pelos abusos e crimes a que estão sujeitas as pessoas em trânsito nas rotas entre a África Oriental e Ocidental e a costa mediterrânica.
Na complexa paisagem da migração, o segundo volume do relatório “Nesta viagem, ninguém se importa se vives ou morres” [On This Journey, No One Cares if You Live or Die] é um trabalho crucial que lança luz sobre as duras realidades enfrentadas pelos refugiados e migrantes que atravessam a perigosa Rota do Mediterrâneo Central (desde a África Oriental e Corno de África e África Ocidental até à costa norte-africana do Mediterrâneo e, depois, através do mar).
Publicado conjuntamente pela Organização Internacional para as Migrações (OIM), pelo MMC (Mixed Migration Center) e pelo ACNUR, este relatório analisa os riscos de protecção enfrentados pelos refugiados e migrantes durante estas viagens e é a actualização de um outro de um relatório conjunto do ACNUR e do MMC publicado em 2020, abrangendo o período 2018-2019.
Neste novo documento pode ler-se:
«A primeira edição deste relatório, publicada em 2020, revelou padrões de violações generalizadas dos direitos humanos e abusos generalizados ao longo das rotas da África Oriental e do Corno de África e da África Ocidental para o Norte de África. O relatório salientou o desfasamento entre as narrativas dos traficantes e as realidades dramáticas que as pessoas enfrentam nestas viagens perigosas em que a vida humana é apenas o mero objetco de uma transacção comercial. Forneceu dados claros para que os Estados e os seus parceiros pudessem conceber soluções baseadas nas rotas e deslocar serviços e os mecanismos de prevenção/resposta para os locais onde se verificavam os problemas de protecção.
«Infelizmente, três anos mais tarde, as conclusões do primeiro relatório são reconfirmadas e, nalguns locais, ultrapassadas. Tal como os dados sugerem, os riscos e a lista de horrores inimagináveis que as pessoas enfrentam em alguns países ao longo da rota não desapareceram, pelo contrário. Novos conflitos eclodiram no Sahel, elevando a população deslocada para quase 5 milhões de pessoas, o dobro do registado no relatório anterior. No Leste e no Corno de África, as secas e as inundações provocadas pelas alterações climáticas estão a ter um impacto dramático em situações de emergência novas e prolongadas, enquanto o número de pessoas deslocadas devido ao conflito no Sudão atingiu 8,8 milhões em Maio de 2024.
«A deterioração da situação em muitos países de origem e de acolhimento está a levar um número crescente de pessoas a embarcarem em viagens perigosas em direcção à costa sul do Mediterrâneo, acabando muitos deles em situações extremamente vulneráveis. (…)
«Apesar de alguns progressos, este novo relatório sugere uma degradação do ambiente de protecção ao longo das rotas do Mediterrâneo Central, com insuficiência de respostas centradas na protecção. Infelizmente, a experiência ensinou-nos que o aumento dos riscos não impedirá que os refugiados e os migrantes se desloquem (…).
«Infelizmente, esta segunda versão do relatório pode não ser a última a documentar as violações e os abusos dos direitos humanos dos refugiados e migrantes ao longo destas rotas. Continuam a faltar redes de segurança de protecção essenciais em áreas essenciais. Além disso, muitos interlocutores habituaram-se à prevalência de riscos de protecção, aos abusos e à inexorável erosão da esperança, como se nada pudesse ser tentado para os resolver. (…)»
Uma das conclusões deste relatório é que, ao contrário do que a UE e os meios de comunicação de massas nos querem fazer crer, os traficantes de seres humanos não são os principais responsáveis pela violência contra os migrantes. No geral, os gangs criminosos são vistos como os principais perpetradores, seguidos pelos grupos armados, traficantes, entidades estatais, outros migrantes, pessoas das comunidades locais e membros da família. No entanto, se deitarmos os olhos apenas para a África Ocidental, Oriental e Corno de África, poderemos concluir que os traficantes são menos frequentemente vistos como autores do crime do que as forças militares ou policiais e do que as polícias fronteiriças.
Num contexto de conflito, instabilidade, pobreza, desigualdade, alterações climáticas, e abusos nos países de origem e de trânsito, bem como a grande necessidade de mão de obra migrante em muitos dos países de destino, as pessoas continuarão a deslocar-se ao longo das rotas de circulação mista que atravessam África em direcção à costa mediterrânica. Estas pessoas continuarão a enfrentar horrores inimagináveis e inaceitáveis, pelo que é necessário fazer mais para proporcionar protecção e assistência adaptadas, bem como mecanismos de busca e salvamento para os refugiados e migrantes em movimento, especialmente ao longo da parte menos visível da viagem que se estende ao longo do deserto do Sara.