Unidos em Defesa de Covas do Barroso:
Audiência com a comissão de Ambiente e Energia, 11 Dezembro 2024
«Em nome da Associação Unidos em Defesa de Covas do Barroso, estamos aqui para elencar as diferentes razões pelas quais o projeto “Mina do Barroso” da Savannah Resources não deve ser considerado “projeto estratégico” e deve ser imediatamente travado.
O projeto da “Mina do Barroso” prevê a abertura de 4 minas a céu aberto, 1 lavaria, que funcionaria todos os dias 24 horas ao dia, 1 barragem de rejeitados permanentes e 3 escombreiras, numa área total de 592 hectares e a escassos 150 metros de casas de pessoas. O projeto ficaria localizado na região do Barroso, a única em Portugal classificada como “Património Agrícola Mundial” pelas Nações Unidas. Há 7 anos que as populações e autoridades locais, assim como movimentos e associações nacionais e internacionais, se opõem a este projeto.
Fazemo-lo por várias razões.
Desde logo, pela forma como todo o processo relativo ao licenciamento deste projeto tem sidoconduzido, que demonstra que esta é uma escolha política mais do que uma escolha técnica.
Vejamos:
Em 2006, o Estado assinou um contrato de mineração para quartzo e feldspato para 120 hectares. Em 2016, este contrato foi modificado por completo, através de uma adenda: de 120 passou para 548 hectares, e foi adicionado o mineral lítio – tudo isto sem consultar as populações e autoridades locais. Este contrato modificado passou para a Savannah em 2017. Em fevereiro de 2022, a Junta de Freguesia de Covas do Barroso entrou com uma ação judicial relativa à forma como a tramitação contratual foi feita.
Em 2020, a Savannah submeteu um Estudo de Impacto Ambiental para uma área de 592 hectares. Este Estudo foi considerado “não conforme” duas vezes pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), em julho e dezembro de 2020. Em janeiro de 2021, a Fundação Montescola solicitou formalmente o acesso a todos os documentos relacionados à Mina do Barroso. A APA ignorou esse pedido. Em março de 2021, a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos emitiu um parecer definitivo ordenando que a APA fornecesse os documentos. No entanto, em vez de cumprir essas exigências, a APA disponibilizou o Estudo de Impacte Ambiental para consulta pública. Estas violações relacionadas ao acesso à informação ambiental e à participação pública também foram levadas ao Parlamento Europeu e ao Comité de Conformidade da Convenção de Aarhus, do qual Portugal é signatário.
Após um ano de espera, em julho de 2022, o projeto recebeu um parecer “desfavorável”: a Comissão de Avaliação da APA apontou “os impactes negativos muito significativos, em alguns casos não minimizáveis, ao nível dos recursos hídricos, dos sistemas ecológicos, da paisagem e da socioeconomia”. Muito embora este parecer técnico da APA tenha sido claro, ele não mereceu apoiopor parte da DGEG, que escreveu: “O lítio é um mineral que tem papel central em toda a agenda datransição energética e descarbonização da economia”.
Ao abrigo do artigo 16.o do regime jurídico de Avaliação de Impacte Ambiental, foram concedidos mais seis meses à empresa para reformular o seu projeto. Foi assim que uma decisão técnica rigorosa foi ignorada em prol de uma decisão política. Em março de 2023, a Savannah entregou o Estudo reformulado. E em maio a APA emitiu uma Declaração de Impacte Ambiental (DIA) condicional favorável. O Enquadramento do parecer da APA é o seguinte: “O lítio é um mineral quetem um papel central em toda a agenda da transição energética e descarbonização da economia (…)O lítio é um mineral metálico imprescindível para a vida moderna em sociedade, tal como reconhecea Comissão Europeia, na sua Iniciativa para os Materiais Críticos”.
Em suma, as sucessivas violações no direito ao acesso à informação e a forma como pareceres técnicos são ignorados em prol de diretrizes políticas demonstram que a emissão desta DIA é uma escolha política.
Em setembro de 2023, a Junta de Freguesia de Covas do Barroso iniciou duas ações judiciais com vista à impugnação da DIA. Em fevereiro de 2024, o Ministério Público veio dar razão às autoridades locais, fazendo referência a várias leis que foram infringidas, e dando assim razão à tese segundo a qual a DIA resultou mais de uma vontade política que de um processo de avaliação transparente erealizado dentro dos parâmetros legais.
Se mais dúvidas restassem, basta dizer o seguinte: como a empresa não tem acesso aos terrenos porque a população está contra, e porque 71% da área de concessão é em terrenos baldios cujo direito de acesso é feito decisão coletiva, a empresa pediu à DGEG que emitisse uma servidão administrativa para realizar as atividades de prospeção que a DIA lhe exige. Os proprietários privados e os Baldios receberam cartas da DGEG a dizer que a sua “resposta seria muito provavelmente favorável”. Decidimos, de toda a forma, exercer o nosso direito de audiência prévia. Qual não foi o nosso espanto quando, no passado dia 6 de dezembro, lemos em Diário da República que a servidão administrativa foi concedida! Ou seja, a empresa poderá ter acesso aos terrenos, tanto privadoscomo baldios, mesmo contra a vontade das populações e das autoridades locais!
Desde que recebeu a DIA, a empresa, com a conivência do Estado, tem tentado criminalizar a resistência e silenciar a oposição.
Entre outubro de 2023 e maio de 2024, Senhores e Senhoras Deputadas, tivemos uma patrulha da GNR destacada diariamente para Covas do Barroso. De acordo com o comando local , estas ordens “vieram de cima”. A empresa também contratou segurança privada. O recurso ao aparato policial e de segurança privado é uma tática para criar intimidação e medo. Tivemos seguranças privados a circular de madrugada em frente a casa de pessoas, quando deveriam apenas estar a ‘guardar’ os terrenos da empresa. Tivemos a GNR a fazer revistas abusivas a pessoas idosas ao anoitecer, sem nenhum fundamento.
Como a empresa não consegiui ter acesso a grande parte dos terrenos que precisa, tentou usurpar um terreno baldio em novembro de 2023. Durante 8 meses mantivemos um bloqueio diário daquelaparcela de terreno até a empresa desistir. Durante os bloqueios, os agentes da GNR protagonizaram vários episódios de abuso de autoridade. Ameaçaram retirar umas pessoas à força e tentaram dissuadir outras por via do medo, dizendo que “teriam de pagar o preço das máquinas paradas”.
Além disso, a empresa já entrou com duas acusações criminais infundadas contra o presidente da nossa Associação. Este tipo de litigância é chamada de litigância estratégica contra a participação pública (SLAPPs, na sigla inglesa), pois é uma clara tentativa de criminalizar e silenciar a oposição, fazendo-a acarretar com custas judiciais. Estas ações violam as regras da E destinadas a proteger as comunidades contra tais ações abusivas, algo que foi, aliás, sublinhado pela nossa Provedora de Justiça no seu último relatório submetido às Nações Unidas, em abril de 2024.
De tudo tentaram para que nos calemos. A última gota é agora a classificação de “projeto estratégico”. Embora seja mais um rótulo que uma licença, esta classificação terá implicações sociais, económicas e ambientais de longa duração. Caso receba esta classificação, o projeto passa a ser considerado de “superior interesse nacional” e é expectável que receba apoio político e financeiro. Infelizmente, quase meio ano após a publicação do Regulamento Europeu sobre Matérias Primas Críticas, não houve nenhum debate alargado sobre os projetos estratégicos e, até hoje, Portugal e a Comissão Europeia recusaram acesso a documentos relativos a candidaturas, pelo que uma nova queixa já se encontra registada na CADA, visto que isso constitui mais uma violação da Convenção de Aarhus.
As instituições da União Europeia afirmam que a mineração no território europeu está sujeita aos mais altos padrões ambientais e sociais do mundo. No entanto, essa noção é infundada por vários motivos. No caso da Mina do Barroso, o método previsto para a barragem de rejeitados é ilegal no Brasil, Chile, Equador e Peru e tem sido inclusive denunciado pela indústria mineira. Ademais, a empresa propõe que esta barragem – que é permanente – se localize a menos de 1km do rio, o que seria ilegal até na China. No relatório que submeteu durante a consulta pública para o Estudo de Impacte Ambiental, o Dr. Steven Emerman, um dos maiores especialistas em rejeitados de mina e autor de diretrizes para a sua gestão responsável amplamente reconhecidas pela indústria de mineração, aponta esta ilegalidade e o risco que a barragem de rejeitados representa para a bacia hidrográfica do rio Douro. Os sedimentos poderiam chegar à foz no Porto. No entanto, o seu parecer técnico foi ignorado e não recebeu até hoje qualquer contraditório.
Por tudo o que elencámos, instamos os Senhores e as Senhoras Parlamentares a posicionarem-se firmemente contra a possibilidade de a Mina do Barroso obter a classificação de “projeto estratégico”. Se permitirmos que estas minas sejam feitas, estaremos a cometer um grave erro ecológico, social, político e económico. Estas minas estão longe de ser apenas um problema para a região do Barroso, ou para a região hidrográfica do Douro. Sem dúvida é aí que o seu impacto será mais direto e visível, mas será todo o território nacional que pagará o preço de destruir uma das maiores reservas de água que temos no nosso país e as consequências de uma política de transição energética que se limita a deslocar e ampliar impactos negativos sem resolver os problemas de fundo que enfrentamos. Políticas erradas devem ser questionadas e revistas, não seguidas acríticamente só “porque a Europa assim decidiu”. Precisamos de ação política comprometida com as pessoas e os territórios em vez de caixas de ressonância da Comissão Europeia. O nosso compromisso europeu passa também por questionar o que não está bem. Em plena crise climática, ecológica e ambiental, destruir um dos maiores tesouros de biodiversidade que temos – o Barroso – seria o maior erro que o nosso país poderia cometer. Enquanto Comissão de Ambiente, Senhoras e Senhores, pedimos que não se calem e não deixem que este projeto avance. Nós continuaremos a resistir e não será o fantasma da inevitabilidade ou do poder Central que nos demoverão.»
11 de dezembro de 2024
Unidos em Defesa de Covas do Barroso
Audiências de 11 de Dezembro:
Associação Povo e Natureza do Barroso
https://canal.parlamento.pt/?cid=8217&title=audiencia-com-a-associacao-povo-e-natureza-do-barroso
Associação Unidos em Defesa de Covas do Barroso
Despacho n.º 14474/2024, de 6 de dezembro
Imagem: Jornal Mapa
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