Portugal tem uma longa tradição de fazer muito com pouco. Mas quando o pouco se transforma em nada e o muito em desperdício, entramos no território da esquizofrenia institucional — onde decisões governamentais desafiam a lógica, a responsabilidade e, por vezes, até a gravidade.

A atribuição do serviço de helicópteros de emergência médica (SHEM) à empresa Gulf Med, sediada em Malta, é um caso de estudo. Venceu um concurso público internacional em 2024 para operar quatro helicópteros Airbus H145 até 2030. No entanto, no dia da estreia, apresentou-se com dois helicópteros, sem capacidade noturna e sem bases operacionais. O Governo, em vez de exigir responsabilidade, optou por um ajuste direto. Porque improvisar é, aparentemente, uma competência estratégica.

Enquanto isso, a Força Aérea Portuguesa — que não concorreu, não lucra e não se queixa — continua a garantir o serviço com helicópteros pesados e equipas médicas treinadas. Mas há um problema: muitos heliportos hospitalares não têm espaço ou certificação para receber os seus aparelhos. Dos 37 hospitais com heliportos, apenas cincos estão autorizados pela ANAC. Os restantes vivem entre obras, caducidades e processos administrativos que se arrastam como ambulâncias sem rodas.

A ironia é dolorosa. O Estado investe mais de 77 milhões de euros num serviço que não tem onde aterrar. É como comprar um Ferrari para circular em trilhos de cabras. E tudo isto enquanto a Força Aérea, com meios prontos e experiência comprovada, é ignorada por um Governo que parece mais preocupado em cumprir formalidades do que em salvar vidas.

Esta esquizofrenia de Estado não é apenas um problema logístico — é um sintoma de algo mais profundo: a desconexão entre quem governa e quem vive as consequências. O cidadão comum, que paga impostos e espera eficiência, assiste a este espetáculo com incredulidade. O Governo, por sua vez, parece acreditar que a solução para tudo é esperar que o tempo resolva. Mas o tempo, como os helicópteros, não espera por ninguém.

A provocação institucional aqui é clara: como é possível que um Estado que se orgulha da sua capacidade de resposta em emergências falhe tão espetacularmente naquilo que devia ser básico? Onde está a responsabilidade política? Onde está o planeamento? Onde está a vergonha?

Portugal merece melhor. Merece um sistema de emergência médica aéreo que funcione, heliportos que recebam aeronaves, e decisões políticas que não pareçam saídas de um guião de comédia absurda. Até lá, resta-nos a Força Aérea — e a esperança de que alguém, algures, acorde para a realidade.

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