Nos últimos 20 anos quase 100.000 animais foram assassinados nas estradas portuguesas. Desde 1975, 70.000 pessoas perderam a vida em desastres rodoviários.
A tragédia evitável desenrola-se há décadas, sem soluções à vista.
Entre 2005 e 2019, morreram 81.972 animais nas estradas portuguesas, com maior incidência em anfíbios, aves e mamíferos. Desde 2019, mais de 11 mil desastres rodoviários envolvendo animais. As informações sobre essas tragédias são escassas e envoltas em mitologia. Afinal, trata-se dos animais, os que têm de partilhar um mundo cada vez mais hostil com o seu opressor e (por vezes) amigo : a espécie humana.
Quem revela estes dados é a GNR através de artigos “exclusivos” no Jornal de Notícias. Além da GNR, os únicos que parecem ter dados sobre o que se passa nas estradas com os animais é a própria IP. Estamos perante um cenário complexo, no qual aqueles que detêm informações sobre essas mortes são, em grande parte, os cúmplices das mortes.
A resposta do governo a essa tragédia tem sido propor vagamente a esterilização dos animais, uma solução que levanta questões sobre a eficácia e o papel do governo na proteção da fauna. ‘A solução para a morte deles é impedir que se reproduzam’ não parece ser uma resposta pensada a fundo na sua complexidade. Isto porque o problema em si não são os animais errantes.
O problema são verdadeiramente os carros e o desenho das mobilidade nas cidades e no campo. Se quisessem resolver os atopelamentos de ciclistas acabando com as bicicletas diriamos que esse pensamento está simplesmente errado a todos os níves. O mesmo se passa com os animais errantes, sejam selvagens, ou porque tenham escapado temporáriamente ou permanentemente de cativeiro.
As notícias sobre esses sinistros são frequentemente propagadas com frases simplistas, como “os javalis são os culpados” ou “os acidentes são causados por animais domésticos“.
Esta narrativa sugere que os animais, domésticos ou selvagens, são os verdadeiros vilões das estradas, causando desastres aos inocentes carros e condutores humanos. No entanto, as vidas perdidas desses animais nem sequer são levadas a sério, e o luto necessário, não decorre. Bem como das mais de 70.000 vidas humanas perdidas desde 1975, esquecidas diáriamente sob o ruído das autoestradas, apenas recordadas em milhares de pequenas cruzes ou altares esguidos em sua memória nas bermas das estradas.
Esta notícia surge apenas uns dias após outro anúncio, muito mais comum e infelizmente aceite: as mortes de seres humanos nas estradas. As notícias sobre essas tragédias, muitas vezes, são esporádicas, geralmente trimestrais, anuais ou semestrais. “Morreram 200, morreram 300.” No entanto, o problema é muito mais profundo e amplo. Desde 2005, mais de 11.140 pessoas perderam a vida nas estradas. Desde 1975, esse número aumenta para uns assustadores 70.813, somando os números divulgados pela ANSR. Enquanto as vítimas humanas de acidentes estão a diminuir gradualmente ano a ano, as vítimas animais parecem estar a aumentar constantemente. Além disso, as mortes podem ter diminuído, mas o número de acidentes permanece alarmante, e contar o número de feridos totalizaria centenas de milhares.
Com quase cem mil animais mortos nas estradas em duas décadas, surge uma pergunta inquietante: não é hora de repensar a nossa mobilidade?
Vamos continuar a construir mais estradas para acomodar os mais de 6,5 milhões de carros portugueses que transitam impiedosamente a alta velocidade, enquanto atopelam tudo no seu caminho e matam tudo à sua volta?
Quanta da responsabilidade da morte destes animais e pessoas recai sobre a indústria automóvel e a ação do estado a apoiá-la incessantemente?
Um estudo recente divulgado pela Greenpeace revela uma situação preocupante. Entre 1995 e 2018, a rede ferroviária portuguesa encolheu 18%, o equivalente a 460 quilómetros de ferrovias desativadas, incluíndo 101 estações de comboios. No total, mais de 100.000 passageiros perderam acesso ao comboio em Portugal.
Num artigo do Público, Patrícia Melo e Bruno Rocha dizem que:
“Os custos incluem o congestionamento, a poluição do ar e sonora e a sinistralidade rodoviária. Os custos escondidos referem-se ao facto de a urbanização dispersa implicar uma maior perda de solo e biodiversidade, o aumento das despesas municipais com a provisão de infraestruturas e serviços públicos básicos, e a maior necessidade de subsidiação do transporte público.”
Em 2022, a rede ferroviária totalizava 3.622 quilómetros, mas apenas 70% estão atualmente abertas (2.527 quilómetros). Isso significa que 1.095 quilómetros desativados, poderiam ser reabertos. No imediato, diz a Greenpeace, seis das oito linhas fechadas poderiam ser reabertas relativamente fácilmente. O comprimento total das linhas ferroviárias que poderiam ser reativadas imediatamente para transporte de passageiros é de 379 quilómetros.
No mesmo período, a rede de autoestradas de Portugal cresceu 2.378 quilómetros, ou seja, 346%. Em termos absolutos, este é o terceiro maior aumento na extensão de autoestradas na Europa, ficando atrás apenas da Espanha e França.
O Estado Português investiu 23.41 mil milhões de euros em estradas, contra 7.65 mil milhões em ferrovias, entre 1995 e 2018.
Esta situação reflete uma tendência preocupante em toda a Europa, onde as redes ferroviárias regionais estão a ser sistematicamente esvaziadas, enquanto grandes somas são investidas em estradas para veículos movidos a combustíveis fósseis. O estudo mostra que, em média, os 30 países analisados investiram 66% a mais na expansão e restauração de estradas do que na rede ferroviária entre 1995 e 2020.
O traǵico incidente ocorrido em Santo Tirso, Portugal, envolveu um incêndio que consumiu um canil informal, resultando na trágica morte de centenas de cães. Este incidente chocante destaca a necessidade urgente de medidas robustas para proteger as vidas e o bem-estar dos animais.
O desastre revela um problema generalizado de especismo, onde o valor das vidas animais é frequentemente ignorado. O modo como o governo lidou com este incidente indica um padrão mais amplo de negligência em relação aos direitos e ao bem-estar dos animais e das pessoas.
O ICNF relatou 41.994 animais recolhidos nos CRO Oficiais, mas as associações contabilizam pelo menos outros 44 mil gatos em colónias e 4 mil cães em matilhas, somando pelo mais de 80.000 animais sem soluções em Portugal.
Em 2018, quando o abate de animais passou a ser proibido nos Canis, Jorge Cid, da ordem dos médicos veterinários alertou para os problemas que iriam entretanto surgir: a sobrelotação dos canis, e eventualmente, a sua incapacidade de recolher mais animais, e tem defendido ao longo dos anos, o combate ao abandono como solução.
Falar em canis e centros de recolha, ou em abrigos para os animais traz-nos para outro problema ainda mais complexo: as condições de vida de todos os animais no mundo atual. Com a proliferação do risco (as estradas especialmente) as pessoas mais jovens e os animais passam a estar em perigo constante de morte por atropelamento, e por isso, errar deixa de ser uma possibilidade.
Além disso falamos especialmente de animais de companhia e selvagens. Esquecemos os animais que são comidos e explorados diáriamente pela indústria da carne, neste artigo.
O Veganismo propõe e pratica quase todas as soluções possíveis e necessárias. Se juntarmos a perspetiva Vegana com uma geografia multiespécies e um eco-design adaptado e acessível, acabamos com a morte dos animais e humanos nas estradas. Isso significa também, acabar com os carros.
Cada uma das condições favoráveis que conhecemos hoje foi ganha sempre com muita luta. Antes das manifestações em defesa das passadeiras, estas não exisitiam. Antes das manifestações pelas ciclovias, estas não existiam. Agora temos de nos manifestar contra as estradas e contra os carros, e acabar com eles!
Ao longo dos séculos de capitalismo, muitas comunidades protestaram contra os carros e contra as estradas. Na holanda, uma mistura de crise do petróleo e de protestos massivos de ciclistas, levou a que, desde os anos 70, as ciclovias tenham passado a ser um meio de mobilidade extremamente importante para as comunidades.
A história da luta contra os carros é uma história longa e está na hora de a continuar. As manifestações contra os carros são tão antigas como os próprios carros.
Algumas recomendações:
Para terminar deixamos algumas recomendações breves, com ajuda da inteligência artificial, como recomendado no programa de sátira da Junta de Boys, já que os presidentes de câmara não conseguem chegar lá sozinhos:
Redesign Radical da mobilidade:
Limites de Velocidade Obrigatórios de 30 km/h: A implementação de limites de velocidade rigorosos de 30 km/h em todas as áreas habitáveis é essencial. Velocidades mais baixas não apenas salvam vidas humanas, mas também protegem a fauna e minimizam a gravidade dos acidentes.
Redução das Faixas para Carros: Devemos repensar a alocação de espaço nas estradas, substituindo a maioria das faixas dedicadas a carros por faixas destinadas a bicicletas, pedestres, autocarros e elétricos. Isso não só promove alternativas de transporte ecológicas, mas também reduz a poluição e o congestionamento.
Promoção do Transporte Público: O transporte público deve ser priorizado e aprimorado para torná-lo acessível, eficiente e atraente. Autocarros, elétricos e comboios devem ser a escolha preferida para o transporte diário, com tarifas gratuitas e horários convenientes.
Restrição total de Carros: A restrição de acesso de veículos particulares dentro das cidades deve ser implementada, criando cidades livres de carros. Essa medida não apenas reduzirá o número de acidentes, mas também combaterá a poluição e melhorará a qualidade de vida nas áreas urbanas.
Para reverter a tendência de declínio das redes ferroviárias e promover o transporte público, é essencial:
Reinvestir nos Comboios: É fundamental reinvestir na expansão da rede ferroviária, oferecendo uma opção de transporte eficiente, sustentável e confiável. A ampliação das rotas ferroviárias aumentará as escolhas de transporte para os cidadãos.
Incentivos ao Transporte Público: Devem ser implementados incentivos significativos para encorajar o uso do transporte público, incluindo subsídios, descontos e campanhas abrangentes de marketing. Isso tornará o transporte público mais atraente e acessível.
Zonas Livres de Carros: Estabelecer zonas urbanas livres de carros no coração das cidades é uma medida eficaz para promover o transporte público e modos ativos de deslocação, como caminhar e andar de bicicleta. Essas áreas devem ser projetadas para priorizar o bem-estar dos cidadãos.
Bem-Estar Animal e Adoção:
As nossas ruas representam não apenas um perigo para as pessoas, mas também para os animais. Para abordar essa preocupação, é crucial:
Centros de Animais Geridos pela Comunidade: A criação de centros de animais geridos pela comunidade é essencial para cuidar e proteger os animais de rua. Esses centros devem promover a posse responsável de animais de estimação, fornecer abrigo e facilitar adoções.
Instrução Pública: Campanhas de sensibilização devem ser lançadas para educar o público sobre a importância do bem-estar animal e da posse responsável de animais. O objetivo é criar uma comunidade mais informada e consciente sobre os cuidados com os animais.
Petição estrada viva: https://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=PT110646
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