Hoje, decorreu a apresentação do livro “No Meu Bairro,” de Lúcia Vicente e com ilustrações de Tiago M, na Fundação José Saramago. O evento atraiu grande atenção, tanto que muitas pessaos ficaram do lado de fora, uma vez que as portas foram fechadas devido à lotação da sala.
O livro, que se propõe a promover a inclusão e a diversidade, foi alvo de medidas de segurança rigorosas. Os participantes precisaram de registar os seus nomes e documentos de identidade na porta para entrar, e a PSP estava presente no interior da Fundação.
As medidas foram motivadas pelo ataque recente à apresentação do livro na livraria Almedina, quando um grupo de 10 fascistas interromperam a apresentação gritando com megafones, numa violenta demonstração da sua cultura do ódio e tentativa de censura do evento e provávelmente, para criar um caso mediático à sua volta, na busca de atenção e polarização crescente da sociedade.
Do lado de fora, um grupo de pessoas apoiantes que não conseguiu entrar ficou do lado de fora do ‘recinto de segurança’, com a polícia a estabelecer uma barricada em torno do local do evento.
Enquanto dentro da Fundação Saramago o clima era de expectativa e tensão, mas também de luta e resistência, pois estavam a combater uma tentativa de censura fascista, que lá fora, com megafones tentava fazer barulho e expressar opiniões transfóbicas, homofóbicas e machistas.
Estes fascistas alegaram que o livro promove o que eles chamam de “ideologia de género”, vestiam coletes amarelos e seguravam bandeiras de Portugal cantando o hino da “portuguesa”. Convocados pelo partido ADN e por um grupo de Telegram, gritavam palavras de ordem como “vergonha” e “nojento,” além de entoar o hino nacional. Seguravam também cartazes contra o aborto.
No entanto, muitos dos”manifestantes” fascistas, pareciam estar ali sem compreender completamente o que estavam a fazer ou qual era o contexto ou conteúdo do livro.
Alguns expressaram preocupações de forma confusa, como quando um deles afirmou: “Que os adultos e os jovens sejam homossexuais, não quero saber, mas as crianças não, não passarão.”.
Um dos presentes observou que muitos manifestantes pareciam desorientados e mal informados sobre o conteúdo do livro.
“Via-se mesmo que metade nem sabia direito o que estava a dizer. Alguém lhes imbuiu que o livro queria tornar as crianças gays, e eles compraram essa ideia, tanto que um deles disse ‘que os adultos e os jovens sejam homossexuais, não quero saber, mas as crianças não, não passarão’. Muita desta malta é gente ignorante a ser manipulada por uma rede maior.”
Apoiante da apresentação
Enquanto isso, do lado de fora, um grupo de pessoas Queer e apoiantes, que não conseguiu entrar na Fundação Saramago foi recebido com hostilidade pela polícia, que não mostrou a mesma repressão aos manifestantes fascistas.
Um policia empurrou violentamente um dos presentes do lado Queer. Assim, não foi possível à comunidade Queer defender a apresentação, já que a polícia estava também a afastar os apoiantes do local e a reprimir as suas ações.
“O mínimo de ação nossa era interrompida pela polícia, isto é, tentaram parar uma pessoa que estava a tocar música do nosso lado, empurraram e afastaram-nos.“
Apoiante da apresentação
A comunidade Queer demonstrou solidariedade dentro e fora da Fundação José Saramago e celebrou a diversidade, enquanto enfrenta uma situação de pressão crescente por parte de grupos fascistas.
“A saída terá que ser feita pelas traseiras da Fundação Saramago porque os manifestantes prometem bolas de fogo a cair dos céus.” diz a reportagem da SAPO 24, acrescentando que no interior houve apenas “abraços e livros a serem assinados”.
Sérgio Machado Letria, o diretor da Fundação disse:
“Cá estamos em paz e liberdade para apresentar este livro.”
“Tivemos que tomar uma posição”
“Gostar ou não do livro é da competência dos leitores. A análise técnica será da competência dos peritos em literatura”. Termina resumindo, “queremos que todos os bairros sejam plurais livres e democráticos”.
https://24.sapo.pt/atualidade/artigos/no-meu-bairro-uma-tomada-de-posicao-pela-liberdade-porque-as-criancas-nao-sao-patetas
Esta polémica gerou uma grande onda de solidariedade em torno do Livro, que praticamente esgotou. No entanto, no interior, a autora teve de falar ao som do hino nacional e de cânticos como “portugal” que ecoavam vindos do exterior. A autora diz que “as crianças não são patetas” , que sabem pensar por elas mesmas, e que em vez de nos focarmos nos protestos, é importante ver a grande onda de solidariedade que se gerou esta semana.
A repórter da SAPO falou também com Pilar del Rio, perguntando-lhe se sentia ansiedade, ao que ela respondeu:
“Ansiedade não, respeito. Nós nascemos para a liberdade e para que as pessoas se possam expressar livremente. Nesta ocasião em especial, se haviam sido impedidos de manifestar-se e expressar-se que o possam fazer nesta sala com uma firme convicção.” E acrescenta que a Fundação servirá sempre “para defender a liberdade de expressão e os valores que nos fazem humanos. Os valores que estão consagrados na Constituição e na Declaração Universal de Direitos Humanos”. O que este livro conta são também expressões humanas e formas de desenvolvimento a que os seres humanos têm direito”.
https://24.sapo.pt/atualidade/artigos/no-meu-bairro-uma-tomada-de-posicao-pela-liberdade-porque-as-criancas-nao-sao-patetas
A polarização na sociedade e os questionamentos sobre liberdade de expressão continuam a ser temas centrais na face destes eventos.
A psicóloga Joana Rodrigues diz que o livro promove a compaixão e inclusão, e está de acordo com a maioria das perspetivas científicas. Além disso ela refere que:
“aprender a conviver com a diversidade que habita no nosso mundo e entender que essas experiências não são sinónimos de erro ou desvio é fundamental para a saúde mental” e que “o mal estar e problemas emocionais vem da não aceitação por parte dos outros, da comunidade, não da condição em que a criança está!”.
“É nessa aceitação ou exclusão e humilhação que residem as fontes do dano psicológico”.
“Então, ensinar inclusividade, aceitação e promover a representatividade não só é bastante importante como é realmente imprescindível.”
Levantam questões importantes para a comunidade Queer e a autodefesa das comunidades contra a ameaça fascista, já que a Polícia é apenas capaz de manter a segurança dos atores instituicionais, não oferecendo qualquer proteção à comunidade Queer nas ruas.
Bem pelo contrário, a comunidade Queer é atacada e violentada sistemáticamente, tanto pela Polícia como pelos fascistas, que hoje, (apenas temporáriamente) a polícia não deixou passar. No mesmo dia em que foram chamados a defender a apresentação de um livro com temática Queer na Fundação José Saramago, não se inibiram de ser violentos contra a mesma comunidade Queer no exterior.
É nas ruas que se luta pela democracia, contra o fascismo, e pelos direitos de todes à igualdade e dignidade. E é nas ruas que teremos de cada dia mais, defender as nossas comunidades contra a ameaça fascista crescente.
Três marchas LGBT+ foram atacadas este mês, além da barulhenta e agressiva interrupção da apresentação anterior deste mesmo livro.
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