No seguimento do que tem feito com vários países africanos (os mais recentes são a Tunísia – 700 milhões de euros – e a Mauritânia – 210 milhões), a UE assinou nos últimos dias de Março um acordo ainda mais ambicioso com o Egipto. Trata-se de, durante os próximos 4 anos, enviar para o Cairo o valor de 7,4 mil milhões de euros, naquilo a que oficialmente se dá nome de «parceria alargada e estratégica» e que, apesar de preenchida por declarações de apoio a uma economia em recessão, é essencialmente um pagamento pelo outsourcing da gestão de fronteiras.
Tratando-se de uma «Assistência Macro-Financeira», a sua aprovação teria de passar necessariamente pelo Parlamento Europeu (PE). No entanto, a primeira tranche de mil milhões será enviada sem o escrutínio desse órgão, com base no artigo 213º do Tratado da UE que permite que, desde que intuída uma certa gravidade, os controlos democráticos, por muito difusos que sejam, possam ser postos de lado. Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, disse-o taxativamente numa carta de 15 de Março enviada à presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola: «Por razões da maior urgência e de alta excepcionalidade», o recurso ao tal artigo 213º «é considerado como uma base legal apropriada para a primeira operação mil milhões».
A urgência intuída não tem, oficialmente, a ver com o aumento da pressão migratória vinda daqueles lados, a que não é estranho o genocídio sionista em Gaza. Aparentemente, essa situação só se coloca como «crise na região» que terá «exacerbado as necessidades financeiras do Egipto», ainda nas palavras de Von der Leyen, segundo a qual, as práticas democráticas normais, ou seja o escrutínio do Parlamento, demorariam demasiado tempo para uma situação financeira tão apertada.
No entanto, depois de, no Verão passado, ter acontecido a mesma marginalização do PE num acordo semelhante assinado com a Tunísia e, acima de tudo, depois de ter havido um acordo de investimento entre o Egipto e os Emiratos Árabes Unidos no valor de 35 mil milhões e um acordo com o FMI para o empréstimo ao Cairo de mais quase oito mil milhões, a lógica da urgência de Von der Leyen parece ter pés de barro.
O que se passa nos bastidores é necessariamente diferente do que é dito em público e não podemos senão especular sobre o que cada coisa significa exactamente. Os exemplos dos acordos com a Turquia, a Tunísia ou a Mauritânia demonstram que estes contratos, mais do que interesse no desenvolvimento económico dos parceiros, têm, do lado da UE, um foco essencialmente anti-migratório. Paga-se a esses países para manterem migrantes longe das fronteiras europeias. O que fazem ao dinheiro ou aos migrantes pouco interessa.
Não nos devemos esquecer que o Egipto é descrito pela Freedom House, pela Human Rights Watch e pela Amnistia Internacional como um país «autoritário», dirigido por Abdel Fattah al-Sisi, um antigo general que, no seguimento do golpe de Estado de 2013, alargou as suas prerrogativas presidenciais, aprofundou o papel dos militares na vida civil e colocou os tribunais e os meios de comunicação social ao serviço do seu poder. Nesse sentido, a pressão europeia para a diminuição das partidas de migrantes não pode deixar de ser vista como um encorajamento para que as autoridades egípcias redobrem os seus esforços repressivos.
A acrescentar a isto, uma outra análise especulativa: aproximam-se eleições europeias e a estratégia política mais em voga dita que se faça já e em força tudo aquilo que a extrema-direita faria se chegasse ao poder. O objectivo seria «esvaziar» a chamada «onda populista», sem se perceber que se está a legitimar os discursos que se dizem querer combater e a praticar as acções que se dizem querer evitar. Ou seja, todo o contrário de esvaziar. Disse «sem se perceber», mas também isso era, claro, especulativo: no caso, uma espécie de especulação naïf.